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Ricardo Kotscho: Sarney não teve tanto poder nem no governo dele

Sarney: mudando sempre para nada mudar

Mais um post da série “queria ter escrito este texto”: Ricardo Kotscho analisa o poder de Sarney.

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Sarney não teve tanto poder nem no governo dele

Ricardo Kotscho, do Balaio do Kotscho

Cai de podre o ministro do Turismo Pedro Novais, 81, do PMDB do Maranhão de Sarney, aquele do motel e da governanta. E quem entra no seu lugar com a nobre missão de preparar o país para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016?

Depois de impasse interno em que o PMDB decidiu não apresentar uma lista de nomes e “liberar” a presidente Dilma Rousseff, que queria um técnico, para escolher quem ela quisesse, foi anunciado, às 23h25 desta quarta-feira, o nome do novo ministro: Gastão Vieira, 65, deputado federal.

De onde? Do PMDB do Maranhão de Sarney.

Como já era previsto, trocaram seis por meia dúzia, e o feudo federal de José Sarney se manteve intacto. A importante indústria do turismo que se dane. Alguém que é do ramo ou mesmo quem não é já tinha ouvido falar de Gastão Vieira? Por que o ministro do Turismo tem que ser do Maranhão?

Os mais antigos hão de se lembrar que nem no seu governo acidental de cinco anos, quando assumiu no lugar de Tancredo Neves, que morreu antes de tomar posse, José Sarney teve tanto poder como agora.

Com o ministério herdado de Tancredo, quem mandava no governo dele (1985-1990) era o PMDB de Ulysses Guimarães, aliado ao PFL de ACM, partidos que garantiram a “governabilidade” com a farta distribuição de concessões de emissoras de rádio e televisão para parlamentares.

De lá para cá, de um jeito ou de outro, Sarney nunca deixou de mandar e nomear gente. Consta que ele se gaba de ter indicado até o porteiro do Hotel Glória, que o recepciona com pompa e circunstância, em seu uniforme de general argentino de antigamente, quando o ex-presidente se hospeda no Rio.

Campeão de sobrevivência política, o político maranhense José Ribamar Ferreira de Oliveira Costa, 81, a mesma idade de Pedro Novais, sempre soube a hora certa de mudar de lado quando lhe era conveniente.

José Sarney (nome político que adotou do pai) começou como suplente de deputado federal pela UDN nos anos 1950, apoiou o governo militar e comandou o PDS contra a Emenda das Diretas, em 1984. No mesmo ano, bandeou-se para a oposição, como vice de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.

Desde a primeira vitória de Lula, em 2002, tornou-se um fiel aliado do ex-presidente e garantiu o apoio do PMDB ao PT, primeiro na campanha e depois no governo de Dilma Rousseff.

Definido pelo ex-ministro Fernando Lyra como “a vanguarda do atraso”, foi o primeiro presidente civil depois da ditadura militar.

Poderia ter passado para a história como o “presidente da redemocratização”, mas preferiu continuar na lida política, ao se eleger e reeleger senador pelo Amapá, deixando o Maranhão aos cuidados da filha Roseana Sarney.

Na presidência do Congresso Nacional, Sarney exerce toda sua influência discretamente e só fala obviedades nas entrevistas. Evita assuntos polêmicos, desliza pelos gabinetes com o que ele mesmo chamou de “liturgia do poder”, a arte dos que sabem como mandar prender e soltar, nomear e demitir, fazer e desfazer alianças, liberar e bloquear verbas.

Ou o Brasil ainda é muito primitivo ou José Sarney é mesmo o gênio da raça e a gente não sabia. O fato é que se o governo de Dilma Rousseff começou “de fato”, como decretaram os analistas políticos, com a solitária decisão de nomear Gleisi Hoffmann para o lugar de Antonio Palocci na Casa Civil, terminou ontem na prática com o melancólico episódio da troca de Pedro de Sarney por Gastão de Sarney.

Quem esperava que Dilma fosse aproveitar as denúncias feitas pela imprensa para fazer a sua “faxina ética” e montar o próprio ministério com homens públicos de “ficha limpa” e conhecimentos técnicos para exercer o cargo, certamente se decepcionou com mais esta demonstração de submissão ao poder do PMDB de Sarney.

Assim ficará cada vez mais difícil para Dilma mudar práticas políticas seculares baseadas no  loteamento de cargos para garantir a tal da governabilidade. De crise em crise, ainda não completamos nove meses de governo e cinco ministros já caíram _ quatro deles por “malfeitos”.

Quem será o próximo?

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Aécio estreia fase fenômeno na oposição, mas o jogo apenas começou

Aécio surfa bem em mar bravio?

Imediatamente após a eleição do ano passado, Aécio Neves começou a ser apontado como líder maior da oposição e candidato natural do PSDB à Presidência em 2014. Nos quatro meses seguintes, o mineiro gastou toda a sua energia para acabar de enterrar o colega tucano José Serra e com isso fazer valer a profecia. Agora, finalmente, Aécio se apresenta.

Na sexta-feira, o senador mineiro levantou sua voz contra o governo do PT, chamando para si o papel de líder das oposições. Ao comentar o rolo compressor do governo na votação do salário mínimo na Câmara, Aécio disse, num estilo pouco comum a ele: “Um governo que assume dando ordens ao Congresso Nacional traz consigo um viés autoritário, não é bom para a democracia”. Nenhum outro membro da oposição bateu tão forte, incluindo os melhores zagueiros e as maiores estrelas.

Curioso é que Aécio teve uma posição amena nas articulações do salário mínino. Ciente do momento histórico, porém, ele teve presença para faturar no momento certo, o do desfecho da novela (Tancredo treinou bem o discípulo).

A base governista reagiu. “Pelo visto, ele <Aécio> quer competir com o Tiririca como comediante”, comentou o deputado paulista e ex-presidente do PT Ricardo Berzoini, referindo-se ao fato de que, no período em que governou Minas (2003-2010), o tucano usou e abusou de leis delegadas –“a pior forma de desprezar o Legislativo”, definiu Berzoini.

Tanto a ação de Aécio quanto a reação do PT suscitam três perguntas?

1)      Aécio terá forças para segurar o rojão de líder-mor oposição contra um governo forte como promete ser o de Dilma Rousseff?

O tucano sempre remou com a corrente a favor. Foi da base do governo Sarney (1985-1990), foi oposição no frágil e detestável governo Collor (1990-92), foi novamente governo nas gestões Itamar Franco (1992-1994) e FHC (1995-2002) e, graças à blindagem da imprensa mineira e à boa vontade monumental da imprensa nacional, surfou sem maiores dificuldades nos oito anos de seu governo em Minas. Aécio sempre foi o conciliador, o amigo de Lula, o político que conseguia unir PT e PSDB numa mesma chapa. Agora não dá mais. O PT está num lado do ringue, e Aécio, no outro. Até 2014, será pau puro. Se o mineiro quiser mesmo ser eleito presidente na próxima eleição, precisará desalojar uma verdadeira máquina de grudar no poder, o PT.

2)      O PT assistirá a ascensão de Aécio sem uma reação mais forte?

Como já foi dito aqui, Aécio só foi na boa até agora. Nunca teve de enfrentar oponentes à altura. Mas agora terá pela frente Dilma e o PT, ambos imbuídos de disposição e ferocidade samurais. Para chegar e permanecer no Planalto, o PT deixou muitos corpos destroçados no campo de batalha do adversário. Sabe fazê-lo e, pior, gosta de fazê-lo.

3)      Agora que conseguiu, pelo menos por ora, solapar José Serra e se apresentar como super candidato na eleição de 2014, Aécio continuará gozando da condição de “carta branca” na imprensa?

Pense rápido. Você já leu nos jornalões e revistonas, ouviu no rádio ou assistiu na TV alguma reportagem mais profunda sobre Aécio? Alguma matéria que apresente não apenas suas muitas e grandes virtudes, mas também alguma fraqueza ou mesmo um tombo na vida pública? Acostumada a buscar pêlo em ovo, a grande imprensa foi incapaz até agora de apontar um deslize sequer de Aécio nos seus 16 anos como deputado federal ou nos oito como governador. Convenhamos, nem Gandhi ou Madre Teresa de Calcutá foram tão imaculados.

É certo que a porção da imprensa anti-petista – ou, no caso de Minas, da aecista – continuará protegendo o tucano. Mas há também a imprensa independente, a puro-serrista e a lulo-dilmista. Esta última, até agora, tem preservado ou mesmo inflado Aécio porque isso contribuía fortemente para a débâcle de Serra. Mas, com Serra fora do baralho, num confronto direto de Aécio com Dilma ou, quem sabe?, com Lula, o jogo poder mudar. (Leio agora, no blog de Paulo Henrique Amorim, até então suave com o mineiro, a seguinte nota: “Aécio, o autoritário, chama Dilma de autoritária”. )

Aécio é um craque, mas o craque agora quer jogar a Copa do Mundo com a camisa 10. Como no futebol, o resultado final é uma caixinha de surpresas.

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Aécio se separa da irmã Andrea Neves (ou a divisão que multiplica)

Andrea entre o avô Tancredo e o irmão Aécio, em foto de Marcelo Prates. Da velha raposa, ela herdou mais que ele.

Em Minas Gerais, nos quase oito anos em que Aécio Neves foi governador (2003-2010), um naco significativo do poder no Estado, talvez até mesmo excepcional, esteve nas mãos de Andrea Neves, irmã mais velha de Aécio. Formalmente, Andrea era apenas a presidente do Servas (Serviço Voluntário de Assistência Social). Na prática, comandava com mãos de ferro o núcleo de comunicação (imprensa + publicidade + marketing político) e se fazia ouvir, com muita facilidade, nas secretarias de Estado, nas estatais e nos órgãos públicos locais. Enquanto à luz dos holofotes Aécio esbanjava charme, simpatia e leveza e, como Tancredo Neves, seu avô, se esmerava em personificar a conciliação na política, Andrea era, nos bastidores, a general de campo de sangrentas batalhas, o tira mau da dupla, o desgraçado dr. Hyde que assumia os pecados do impoluto dr. Jekyll.

Se Aécio chegou aonde chegou, deve grande parte disso a Andrea.

Contudo, em 2011, ou seja, daqui a poucos dias, a dupla irá se separar. Aécio assumirá, em Brasília, uma cadeira no Senado, enquanto Andrea permanecerá em Minas, provavelmente à frente do Serviço Voluntário de Assistência Social. O que a princípio pode parecer uma divisão, na verdade, é uma multiplicação. Com Andrea no Servas, Aécio continuará a mandar no governo de Minas, que, ao fim e ao cabo, é a principal plataforma com que ele almeja alcançar a Presidência da República em 2014 (ou 2018, ou 2022, ou 2026…).

O nome de Andrea chegou a ser cotado para assumir, em 2011, a Secretaria de Cultura de Minas Gerais. Porém, na semana passada, em declaração ao jornal O Tempo, de Belo Horizonte, ela própria antecipou que prefere continuar à frente do Servas. “Não estando em nenhuma secretaria, poderia continuar conversando com todas”, afirmou Andrea, no seu peculiar estilo soft panzer.

Se se confirma um dia a profecia sussurrada nas Gerais, Aécio será presidente da República, saldando assim, no imaginário mineiro, uma dívida do Brasil com Minas. É bom, então, prestar atenção em Andrea Neves.

O presidente Ernesto Geisel teve Golbery do Couto e Silva, Fernando Henrique Cardoso teve Sérgio Motta, e Lula, por um tempo, contou com José Dirceu. Caso Aécio chegue ao Planalto, ele terá por trás de si a irmã, uma mistura dos três.

Aécio, ao lado de Andrea, aplaude evento do Servas em 2009: assistência social, controle do Estado, controle da mídia... (Wellington Pedro/Imprensa MG)

Há quem diga que Andrea (um ano e 23 dias mais velha que Aécio) é a verdadeira herdeira da malícia de Tancredo. Quando Aécio ainda pegava onda no Rio e jamais se imaginava defendendo uma causa política, Andrea era uma ardorosa militante de esquerda, sustentando o título de fundadora do PT fluminense. Sua vocação para a História se revelou no dia 30 de abril de 1981, quando, prestes a entrar no show em comemoração ao Dia do Trabalhador, no Riocentro, Andrea foi abordada por um sujeito banhado em sangue, com a barriga aberta, segurando as vísceras, suplicando para que o levassem a um hospital. Era o capitão do serviço secreto do Exército Luís Chaves Machado, um dos autores do frustrado atentado do Riocentro. (Andrea o salvou.)

Obsessiva, geniosa e dona de uma inteligência rara, Andrea é uma mulher alta e corpulenta, de semblante tenso e perturbador. Avessa ao flash dos fotógrafos e à badalação, ela trabalha em proveito do sucesso de Aécio desde a hora em que levanta até a hora de dormir (costuma disparar ordens, por e-mail, depois da meia-noite). Sua mesa de trabalho, com pilhas de papel de boa altura, parece uma instalação contemporânea. Não raro, participa de duas ou mesmo três reuniões simultâneas, entrando e saindo de salas onde todos estão à espera de suas ordens. Como não admite erros, sua equipe trabalha em permanente estado de tensão.

No final de março passado, quando deixou o governo de Minas para disputar o Senado, Aécio foi a estrela de uma festa na praça da Liberdade, com crianças soltando balões coloridos no ar, desfile de globais (Luciano Huck, Maitê Proença, Christiane Torloni…) e corais cantando Ó Minas Gerais e Está chegando a hora. Da coxia, Andrea controlava tudo pelo celular.

Os adversários invejam sua capacidade de trabalho e a temem; os aliados se jactam por tê-la a seu lado e também a temem. Os jornalistas apenas a temem.

Nos quase oito anos em que coordenou o esquema de comunicação do governo do irmão, Andrea blindou Aécio na imprensa. Ela monitora com o mesmo rigor uma revista de circulação nacional e um jornalzinho do interior. Para que Aécio aparecesse bem na fita, Andrea chegou ao limite de tentar controlar até torcida em estádio, literalmente. Foi o que aconteceu em 2005, nas comemorações dos 40 anos do Mineirão, quando o então governador de Minas decidiu jogar uma preliminar do clássico Atlético x Cruzeiro. Nas vésperas da partida, Andrea orientou sua assessoria a fazer uma discreta reunião com a torcida organizada do Atlético para solicitar que Aécio, cruzeirense empedernido, não fosse vaiado. Não adiantou.

Fica então um aviso para os que, vindo na direção contrária à de Aécio Neves, pretendem vaiá-lo. Preparem-se. Atrás dele, vem Andrea.

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