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Marcos Valério e o PSDB

Reproduzo abaixo artigo de minha autoria publicado neste domingo n’O Estado de S.Paulo (caderno Aliás) sobre as ligações perigosas entre Marcos Valério e o PSDB.

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Mensalidades atrasadas

Por Lucas Figueiredo*, para O Estado de S.Paulo (caderno Aliás), 4 de novembro de 2012

Está tudo muito bom, está tudo muito bem. É o que parece quando olhamos ao redor e vemos uma parcela da sociedade a bradar: desvendamos o mensalão! Desvendamos mesmo?

José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, João Paulo Cunha e que tais foram abatidos. Mas o mensalão só será totalmente dissecado quando sua gênese for revelada. Marcos Valério não operou apenas em uma campanha eleitoral ou serviu apenas a um partido ou um governo.

Marcos Valério Fernandes de Souza tinha 34 anos quando em 1995 teve início a era de ouro do PSDB (naquele ano, Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência da República e, em Minas Gerais, Eduardo Azeredo foi empossado no governo do Estado). Valério era desimportante. Não tinha poder, não circulava nas rodas políticas e seu patrimônio era modesto.

Um ano após a assunção de Eduardo Azeredo ao governo, Valério se materializou como sócio da semifalida agência de publicidade SMPB. Não entrou com dinheiro, mas com capacidade operativa. A fim de levantar a SMPB, obteve um empréstimo de R$ 1,6 milhão com o hoje extinto banco estatal mineiro Credireal, numa operação que posteriormente o Ministério Público de Minas classificaria como “de pai para filho” ou, em palavra ainda mais forte, “escusa”.

Na estrada aberta para a SMPB pelo governo tucano em Minas, Valério trafegava nas duas vias. Em 1998, tornou-se operador financeiro da campanha de reeleição de Azeredo. Primeiro, botou sua assinatura num contrato de empréstimo de R$ 2 milhões no Rural (o dinheiro foi retirado do banco numa caixa de papelão pelo tesoureiro da campanha). Depois, mais um empréstimo, de R$ 9 milhões.

Ainda naquele ano, no período que vai de 40 dias antes da eleição até o interregno entre o primeiro e o segundo turnos, três estatais de Minas – Cemig, Copasa e Comig, hoje Codemig – alimentaram as empresas de Valério com R$ 4,7 milhões. Segundo o Ministério Público, o dinheiro entrava de um lado (estatais de Minas e Banco Rural) e saía pelo outro (os cofres da coligação formada pelo PSDB, PFL, hoje DEM, PTB e PPB, hoje PP). Registros bancários e do próprio Valério indicam que ele pagou parte dos custos da campanha publicitária de Azeredo e distribuiu recursos para 75 candidatos e colaboradores da coligação encabeçada pelo PSDB.

Em poucos dias terminará o julgamento do processo do mensalão do PT no STF. Já o mensalão do PSDB mineiro será apreciado em processos fatiados, pelo STF e pela Justiça de Minas. E só Deus sabe quando.

De qualquer forma, quando o passado vier à luz, talvez seja possível esclarecer algumas dúvidas. Por exemplo: o que levou a SMPB de Valério a ganhar grandiosos contratos de publicidade no governo de FHC (Banco do Brasil, Ministério do Trabalho, Ministério dos Esportes, Eletronorte e Fundacentro)? Por que Valério, por intermédio da SMPB, doou R$ 50 mil à campanha de reeleição de Fernando Henrique, em 1998? Por que Danilo de Castro – um dos principais articuladores políticos do senador Aécio Neves – foi avalista de um empréstimo do Rural para a SMPB? Quais provas fizeram do jornalista Eduardo Pereira Guedes, integrante graduado do staff de marketing político de Aécio, réu no processo do mensalão mineiro? Por que o PSDB continuou a defender Azeredo após o mensalão mineiro ser revelado (Arthur Virgílio, então líder do partido no Senado, disse que, a despeito das acusações, a bancada tucana reafirmava sua “plena confiança na honradez e na lisura desse companheiro”)? Por que o PSDB lançou Azeredo a deputado federal (ele se elegeu e seu mandato vai até 2015) mesmo sabendo que o Ministério Público Federal o acusava de ser “um dos mentores e principal beneficiário” do mensalão mineiro? O que explica o fato de que, entre 1997 e 2002, período em que operava para o PSDB, Valério fez seu patrimônio declarado no Imposto de Renda saltar de R$ 230 mil para R$ 3,9 milhões (1.600% de aumento em cinco anos, com uma inflação de 42%)?

Como se vê, o filme ainda não acabou.

* Lucas Figueiredo é jornalista, escritor, autor, entre outros, de O Operador – Como (e a mando de quem) Marcos Valério irrigou os cofres do PSDB e do PT (Record)

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PT insiste na parceria Caracu com Aécio

Sem medo de ser infelizzzzzz, o PT é hoje o curupira da política: ninguém sabe se anda para trás ou para frente

Se algum dia Aécio Neves alcançar a tão almejada Presidência da República, poderá dizer: “apesar de José Serra, mas com o apoio do PT, cheguei até aqui”.

Não há quem não reconheça que Aécio é hoje o principal nome da oposição para 2014, e não só para 2014. Talvez também para 2018, 2022, 2026… Aécio tem cacife (domina o segundo colégio eleitoral do país), tem carisma, tem habilidade política, tem apoio do empresariado, tem apoio da mídia, tem apoio da Força Sindical e tem alianças consistentes fora do eixo PT-PSDB.

Aécio, portanto, é um forte adversário do projeto político do PT, certo? Sim… Quer dizer, não… Quer dizer, talvez.

Nos últimos dez anos, a fim de alimentar a oposição interna a José Serra no PSDB, o PT, de forma geral, salvo uma ou outra exceção em Minas, evitou chatear Aécio Neves. Fez mais: abriu espaço para que o tucano crescesse.

Faça um teste. Tente achar no Google uma crítica mais pesada a Aécio Neves feita por um cacique petista de projeção nacional. Não há. Lula? Dilma? José Dirceu? Nenhum deles se lançou ao sagrado exercício político de desconstruir o adversário (a recíproca, contudo, como também mostra o Google, não é verdadeira).

O ápice da relação de boa vizinhança do PT com Aécio se deu em 2008. Naquele ano, o Partido dos Trabalhadores, que administrava Belo Horizonte havia 16 anos, decidiu quebrar a risca e não lançar candidato próprio à prefeitura, uma das mais importantes e estratégicas do país. De bom grado, o PT desceu da cadeira e passou a apoiar a chapa encabeçada por Márcio Lacerda (PSB), secretário do governo Aécio e afilhado político do tucano. A aliança ficaria conhecida como parceria Caracu (Aécio, é óbvio, entrou com a cara…).

Eleito, Márcio Lacerda fez o previsível. Nos últimos três anos, trabalhou pelo projeto de Aécio e pelo enfraquecimento do PT mineiro. O último ato dessa comédia se deu no início do mês, quando Lacerda, numa briga pessoal, demitiu todos os funcionários do gabinete de seu vice, o petista Roberto Carvalho.

Ano que vem, como todos sabem, tem eleição para prefeito. Há, por certo, muitos petistas mineiros que desejam romper a exótica aliança PSDB-PT em Belo Horizonte. A estratégia tem coerência, não se pode negar, já que na prática a aliança só favoreceu Aécio e o PSDB, enquanto o PT diminuiu. Além disso, em 2014, se o script político se confirmar, Aécio estará do outro lado do ringue contra Dilma Rousseff.

Por que então, catzzo!, o PT deveria fazer o jogo de Aécio? A vida tem seus mistérios.

Aqueles que, dentro do PT de Minas, trabalham pelo fim da aliança esbarram na objeção daquele que, no PT, é o padrinho da parceria Caracu, Fernando Pimentel.

Atual ministro do Desenvolvimento, Pimentel foi o último prefeito petista de Belo Horizonte. Se depender dele, talvez seja também o derradeiro. Pimentel joga pela reeleição de Márcio Lacerda. Se eleito, Lacerda quiçá venha a preencher, daqui a três anos, o (ainda vago) posto de candidato de Aécio ao governo de Minas. Seria certamente uma candidatura forte, talvez forte o suficiente para mais uma vez barrar o sonho do PT, nunca realizado, de conquistar o Palácio da Liberdade.

O curioso nessa história é que, ao patrocinar a reedição da parceria Caracu, Pimentel joga contra si próprio, já que também é nome forte para a eleição ao Governo de Minas em 2014.

Ontem, a contradição petista em Minas explodiu. Motivo: enquanto as exceções de sempre no raquítico PT mineiro lutam para explorar as fragilidades da herança deixada por Aécio no Estado (piso salarial mais baixo do país para o professorado, dependência excessiva das commodities num momento de crise mundial na economia, dívidas imensas que engessam a capacidade de investimento, mordaça na imprensa…), a ala de Fernando Pimentel apostou mais uma vez na parceria Caracu.

Aliado de Pimentel e presidente do PT de Minas, o deputado federal Reginaldo Lopes se reuniu ontem publicamente com Antonio Anastasia (PSDB), governador de Minas nascido de uma costela de Aécio, para discutir o que Lopes apelidou de “agenda positiva” e “convergência programática”. O resultado das confabulações deveria ter sido levado ainda hoje para Brasília. Adivinhem para quem? Fernando Pimentel.

Dirão os envolvidos que a “convergência programática” e a “agenda positiva” atende aos interesses de Minas. Na Calábria brasileira, desde a Inconfidência, é sempre assim. À luz do dia, evoca-se aos brados o nome de Minas. De madrugada, aos sussurros, costuram-se conspirações que atendem unicamente a interesses privados.

A busca do presidente do PT de Minas por uma “convergência programática” com o PSDB despertou a ira de petistas autênticos – chamemo-los assim para efeito de diferenciação (quem diria que um dia o PT precisaria ser classificado com a mesma escala de elasticidade de caráter do PMDB?). Via Twitter, o deputado Rogério Correia, autêntico que lidera o bloco anti-Aécio na Assembléia Legislativa do Estado, batizado de Minas Sem Censura, chamou Reginaldo Lopes de “traidor” e de aliado do PSDB e pediu que ele fosse afastado da presidência do PT mineiro. O protesto, seguido por outros autênticos, dificilmente terá efeito prático, já que a ala não tem força nas instâncias do PT nacional para peitar o ministro Fernando Pimentel.

Por que Pimentel fortalece os adversários de seu partido na capital mineira? Por que o PT nacional infla Aécio? Não há explicação lógica. Lá no fundo, lá no fundo, bem lá no fundo… Não há nada lá no fundo. A parceria Caracu é o que parece ser.

Minas tem 14,5 milhões de eleitores (10,7% do total nacional). Numa eleição presidencial apertada, o colégio eleitoral mineiro pode muito bem definir a parada. O PT parece não se importar com isso. Que assim seja. Mas não custa lembrar o ditado espanhol: cría cuervos y te sacarán los ojos.

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Brasília vive “Melancolia”

Coisas estranhas acontecem em Brasília.

Hoje, a cidade amanhaceu com um halo em torno do sol. O fenômeno é  típico na passagem do inverno para a primavera. A causa: nuvens de cristais de gelo que refratam luz solar.

Essa é a explicação científica. Mas como Brasília é chegada num misticismo o blog pergunta? Terá o halo solar algum efeito sobre o Congresso, o Palácio do Planalto, o Supremo, os ministérios… Dilma, os ministros, os congressistas sofrerão algum impacto? Maligno ou benigno?

E se o sol cair sobre Brasília? Quem sobreviverá? Uma nova civilização ressurgirá dos escombros? Como será ela?

À medida que o sol vier caindo, como irão reagir José Sarney, Ideli Salvatti, Ana de Hollanda? Algum cargo será criado? Com qual partido ficará? O fim de Brasília irá atrapalhar os planos da volta de José Dirceu?

Aguardemos…

P.S. Nos últimos dias, fiz três posts com o título “Isto é Brasília”. As imagens mostravam índios em cenários urbanos pouco prováveis. Como teve leitor achando que eu desdenhava dos índio, tratei logo de explicar que era justamente o contrário. Uma das coisas que mais gosto em Brasília, cidade que amo, é justamente sua pluralidade e o uso do espaço público da forma mais democrática vista no Brasil.

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José Dirceu está voltando…

Dirceu em debate no Festival de Cinema de Brasília: é tudo fita

Hoje, um dia após lançar seu livro Tempos de planície, o ex-ministro José Dirceu participou do seminário “A produção independente e a parceria com a televisão”, no 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (foto acima).

Planície…? Conversando sobre TV e cinema…? Não se engane: ele está voltando.

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Dirceu na planície?

Ele voltará? Ou na verdade nunca foi para a planície?

Neste instante, num restaurante de Brasília, o ex-ministro José Dirceu lança seu livro Tempos de planície.

Se na planície José Dirceu exibe essse sorriso e atrai a simpatia escancarada de poderosos (veja fotos abaixo), imagine quando voltar ao centro do poder? Ou você ainda tem dúvida de que Dirceu voltará ao centro do poder?

Dirceu e Humberto Costa, líder do PT no Senado

Dirceu e o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza

Dirceu e o senador Renan Calheiros

Dirceu e José Genoino, ex-deputado e hoje assessor especial do Ministério da Defesa

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PT-SP chama militância para passeata contra Veja (ou o dia em que a vítima quis trocar de papel com o vilão)

Ilustração da convocação da passeata no site do PT-SP: Pink & Cérebro não fariam melhor

Na semana passada, com um arremedo de reportagem, a revista Veja conseguiu transformar José Dirceu em vítima. Qual das reações abaixo você acha que teve o PT de São Paulo?

A) Apenas reclamou protocolarmente, aceitando de bom grado o papel de vítima para Dirceu, aproveitando assim para resgatar publicamente o petista;

B) Pediu direito de resposta à revista;

C) Pagou anúncio em outras publicações para apresentar sua versão;

D) Num gesto a lá Hugo Chávez, apoiou em seu site oficial uma passeata contra a Veja, desta forma trocando de papel com a revista, que de vilão agora passa a vítima.

Sim, caro leitor, o PT de São Paulo escolheu a letra D. Nem Pink & Cérebro fariam melhor…

Com estrategistas assim, essa guerra será realmente um espanto.

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Ainda o caso Veja x Dirceu: os métodos “tarja-preta” da apuração

"Ferramentas tarja-preta” do jornalismo devem ser prescritas com moderação e ministradas com precisão e cuidado. Não foi o que "Veja" fez

Num comentário ao post abaixo, o leitor Thiago Motta pede que eu me posicione de forma mais clara em relação ao uso do que chamei de “ferramenta tarja-preta” (câmera escondida) por Veja na apuração da matéria sobre José Dirceu. Eis o que penso.

O que são “ferramentas tarja-preta” no jornalismo? Câmera oculta, gravador oculto, ocultação da condição de jornalista, uso de identidade falsa, invasão de privacidade, invasão de residência etc.

Assim como o policial deve sacar o revólver e atirar apenas em situações estritamente necessárias, e não banalizar o uso da arma de fogo, o jornalista deve evitar ao máximo o uso de “ferramentas tarja-preta”. Quando então estas podem ser usadas? Em primeiro lugar, é essencial que a pauta envolva relevante interesse público (desvio de dinheiro público, crime organizado, prevaricação por parte de agentes públicos graduados etc.). Essa condição, porém, precisa ainda estar conjugada com pelo menos um dos fatores abaixo:

a) Impossibilidade de levantar a informação sem o uso da “ferramenta tarja-preta”;

b) Situação de risco à integridade física do repórter.

Um exemplo: vale usar uma câmera oculta para filmar uma reunião da milícia ou de empreiteiros suspeitos de formar cartel. Mas não vale usar uma câmera oculta para filmar uma reunião fechada do partido ou o ator traindo a mulher.

Mesmo quando a pauta justifica o uso de uma “ferramenta tarja-preta”, é vital que a operação seja coordenada e realizada com grande cuidado. Afinal, os jornalistas (repórter, editor, diretor da redação) estão sacando o revólver para atirar. E se, apesar das suspeitas robustas, o alvo for inocente? E se terceiros, também inocentes, foram atingidos por uma bala perdida? Por isso o termo “tarja-preta” – deve ser prescrita com moderação e ministrada com precisão e cuidado.

Agora sim o caso Veja x Dirceu.

Primeiro, consideramos o “alvo” da apuração, José Dirceu. Há elementos de relevante interesse público que justificam uma profunda investigação jornalística em torno das atividades do ex-ministro:

1) Ele é réu num grande escândalo em que é acusado de participação num esquema para desvio de dinheiro público;

2) Sua atividade política merece fiscalização constante diante da atividade profissional que ele exerce. Afinal, Dirceu, por um lado, tem acesso privilegiado a políticos e autoridades e, por outro, presta consultoria para grupos privados (nacionais e internacionais) com interesses bilionários no Executivo e no Legislativo.

Ao que tudo indica, para cumprir a pauta, Veja instalou uma câmera escondida no corredor do hotel onde José Dirceu se hospedava. Por tudo o que escrevi acima, acredito que o uso da “ferramenta tarja-preta” nesse caso era aceitável.

Qual foi, porém, o resultado da delicada operação de Veja. Nenhuma prova, por menor que fosse, que sustentasse uma reportagem. A pauta havia caído (ou a revista havia fracassado na sua execução).

O que Veja deveria ter feito então? De duas, uma: destruído as imagens e esquecido o caso ou guardá-las e continuar na apuração.

Veja, porém, decidiu por publicar as imagens. Um gesto abominável. Se havia relevante interesse público na pauta que abonava o uso da “ferramenta tarja-preta”, não havia relevante interesse público nas imagens que justificavam a publicação.

José Dirceu ainda acusa um repórter da revista de tentar entrar em seu quarto usando de outra “ferramenta tarja-preta” (falsidade ideológica visando à invasão de domicílio). A revista nega. Como ainda não é possível dizer quem fala a verdade, analisemos o caso apenas de forma hipotética, como um exercício.

Se um apuração lança mão de uma “ferramenta tarja-preta” (câmara oculta) e o resultado nada aponta contra o alvo, manda o bom senso que a apuração não lance mão de uma segunda “ferramenta tarja-preta” ainda mais invasiva (falsidade ideológica visando à invasão de domicílio).

Na apuração de pautas em que o que está em jogo é o relevante interesse público, há momentos em que se pode e se deve avançar, mesmo que o gesto fira o Código Penal. Mas há também momentos em que a apuração deve recuar, a fim de não ferir o código moral do Jornalismo.

Em resumo: Veja não errou ao usar câmara oculta, mas errou ao usar imagens.

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Ao trocar o jornalismo pelo ódio, Veja mata a melhor pauta da praça

Veja queria destruir José Dirceu mas acabou por dar-lhe um presente

“Há muitas histórias em torno das atividades do ex-ministro José Dirceu.” Assim começa a “reportagem” de capa da Veja desta semana que tanta polêmica vem causando.

Não há como negar: José Dirceu – ex-ministro, eterno capa-preta do PT e consultor cinco estrelas – é uma baita de uma pauta. Contam-se muitas histórias e muitas estórias de Dirceu. O que é fato, o que é lenda? Talvez uma investigação profunda da imprensa pudesse responder.

Veja mirou, pois, numa grande pauta: José Dirceu despacha num hotel em Brasília onde recebe parlamentares, ministros e grandes executivos de estatais. Como ele também presta serviços a megacorporações nacionais e internacionais com interesses bilionários no governo e no Congresso, ficam algumas dúvidas. Dirceu separa o dirigente do PT do consultor? Aproveita o acesso a políticos graúdos para encaminhar pleitos privados? A desconfiança procede. Afinal José Dirceu responde na Justiça pela acusação de chefiar uma quadrilha enquanto ocupava o posto de ministro mais poderoso do governo Lula.

Para executar a pauta, a revista optou por utilizar, até onde se sabe, ao menos uma ferramenta tarja-preta: a câmera oculta.

Depois de quase três meses de apuração, Veja havia conseguido reunir elementos suficientes para comprovar que a pauta era de fato muito boa. Não tinha, porém, conseguido realizá-la. Na verdade, estava longe disso.

A revista tinha então dois caminhos: seguir apurando, o que poderia render uma boa reportagem de denúncia ou a descoberta de que Dirceu nada faz de ilegal ou imoral, ou abandonar a investigação. Optou, contudo, por uma saída estranha ao jornalismo – jornalismo que, diga-se de passagem, tantas vezes exerceu com maestria.

Na falta de provas contra José Dirceu, Veja usou um punhal e um maçarico num texto que não pode ser classificado como reportagem. Embalou um editorial raivoso com fotos que nada provam, obtidas com uma ferramenta tarja-preta.

Dirceu – réu e não um condenado – foi chamado de “chefe da quadrilha do mensalão”, “um bando de vigaristas que assaltava os cofres públicos”. Mais: a revista tratou Dirceu, mais de uma vez, como “chefão”, numa alusão explícita à máfia.

Veja tinha uma pauta. Provou que a pauta é excepcional, mas fracassou ao realizá-la. Restou apenas o ódio contra José Dirceu, ódio que, explicitado, torna-se um presente para o ex-ministro, que agora se transforma em vítima. Daqui para frente, toda vez que for alvo de investigação jornalística, séria ou não, Dirceu poderá levantar a edição de Veja e dizer: “eis a prova de que a imprensa me persegue”.

Veja matou uma baita pauta. E ainda por cima deu um argumento robusto para os que, com bons ou maus propósitos, querem impor limites à imprensa. Um desastre.

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Estadão denuncia tesoureiro do PMDB por fraude de R$ 300 mi na Petrobras

Ferrovia Norte Sul, Esquema PC, privatização da Telebras, mensalão do PT, mensalão do PSDB, mensalão do DEM, Palocci… os megaescândalos não têm fim.

Na edição deste domingo, O Estado de S.Paulo denúncia o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) e a Petrobras, que juntos teriam fraudado uma licitação de R$ 300 milhões na estatal.

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Eunício Oliveira, o senador de R$ 300 milhões

Empresa de senador do PMDB fraudou licitação de R$ 300 mi na Petrobrás

Leandro Cólon – O Estado de S. Paulo

MACAÉ – Documentos e imagens obtidos pelo Estado revelam que a Petrobrás e uma empresa do senador e tesoureiro do PMDB, Eunício Oliveira (CE), fraudaram este ano uma licitação de R$ 300 milhões na bacia de Campos, região de exploração do pré-sal no Rio de Janeiro. A Manchester Serviços Ltda., da qual Eunício é dono, soube com antecedência, de dentro da Petrobrás, da relação de seus concorrentes na disputa por um contrato na área de consultorias e gestão empresarial. De posse dessas informações, procurou empresas para fazer acordo e ganhar o contrato.

Houve reuniões entre concorrentes durante o mês de março, inclusive no dia anterior à abertura das propostas. A reportagem teve acesso ao processo de licitação e a detalhes da manobra por parte da Manchester para sagrar-se vencedora no convite n.º 0903283118. Às 18h34 de 29 de abril, a Petrobrás divulgou internamente o relatório em que classifica a oferta da Manchester em primeiro lugar na concorrência com preço R$ 64 milhões maior que a proposta de outra empresa.

O contrato, ainda não assinado, será de dois anos, prorrogáveis por mais dois. Sete empresas convidadas pela Petrobrás participaram da disputa, a maioria sem estrutura para a empreitada. Os convites e o processo de licitação são eletrônicos e as empresas não deveriam saber com quem estavam disputando.

Em 30 de março, um dia antes da abertura das propostas, o diretor comercial da Manchester, José Wilson de Lima, reuniu-se duas vezes, por mais de três horas, em São Paulo com uma das empresas convidadas pela Petrobrás, a Seebla Engenharia, segundo registros de segurança do prédio onde funciona essa empresa. Uma foto dele ficou registrada nos arquivos do condomínio. O objetivo da visita era exigir da Seebla que aceitasse um acordo.

A Seebla confirmou o encontro e, questionada, disse que isso também ocorrera em dias anteriores. A empresa afirmou que não fez acerto. No dia seguinte à reunião, ofereceu na licitação o preço de R$ 235 milhões, bem abaixo dos R$ 299 milhões apresentados pela empresa do senador. Mesmo assim, foi desclassificada pela Petrobrás.

Um diretor de outra empresa envolvida, que pediu para não ser identificado por questão de segurança, contou que diretores da Manchester usaram o nome de Eunício para oferecer R$ 6 milhões em dinheiro vivo em troca de uma “cobertura”na licitação – ou seja apresentar proposta com valor que serve apenas para simular concorrência e ajudar uma parceira a ganhar a licitação.

“Tentaram nos comprar”, disse ao Estado o diretor da empresa. Em troca, a Manchester faria o mesmo em outra licitação.

Esse novo contrato da empresa de Eunício seria uma forma de substituir os serviços fechados sem licitação com a própria Manchester e que já lhe renderam R$ 57 milhões desde fevereiro de 2010, conforme revelou o Estado domingo passado.

Ao chegar ao prédio da Seebla no dia 30 de março, José Wilson de Lima entregou seu documento, teve rosto fotografado e disse para onde iria: “Seebla”. Passou pela catraca do subsolo às 11h29 e subiu ao 8.º andar, onde fica a empresa concorrente. Saiu de lá às 12h35 e retornou às 15h07. Permaneceu até as 18h33, após reunir-se com o então diretor comercial da Seebla, Jorge Luiz Scurato. No dia seguinte, 31 março, ocorreria a licitação.

Na ocasião, Lima deixou seu cartão de visita da Manchester. O Estado localizou o diretor trabalhando, na quarta-feira passada, na sede da Manchester no Rio e o indagou sobre os motivos do encontro em São Paulo. “Não interessa a você”, respondeu.

Já Scurato negou, num primeiro momento, qualquer reunião com Lima. Depois, apresentou a seguinte defesa: “O Wilson tinha me pedido para arrumar um emprego para o irmão dele. Foi entregar um currículo para mim.”

A reportagem procurou a Seebla. A empresa disse que o diretor envolvido pediu afastamento dias após o episódio. “Houve um constrangimento pelo recebimento de um concorrente em nossa sede”, afirmou a direção.

Segundo relato de empresários, a Manchester teria pedido para oferecerem valores acima de R$ 390 milhões à Petrobrás. Com isso, poderia vencer com R$ 380 milhões. O preço já estaria superfaturado para que houvesse divisão do dinheiro extra para as demais concorrentes. Só que a Seebla decidiu disputar para valer e fez uma proposta de R$ 235 milhões.

Avisada pela Seebla de que não haveria acerto, a Manchester apresentou proposta, em valor exato, de R$ 299.841.390,90. As demais concorrentes ofereceram valores superiores, como esperava a empresa de Eunício. No dia 29 de abril, uma sexta-feira, saiu o resultado da comissão de licitação. A Petrobrás desclassificou a proposta da Seebla por considerá-la “inexequível”, ou seja, o valor seria muito baixo e a empresa não conseguiria cumprir o contrato. A Manchester, então em segundo lugar, foi declarada vencedora por ter feito a proposta “mais vantajosa”. A Seebla recorreu e o processo de licitação ainda não foi concluído.

O Estado revelou no domingo passado, 3, que a Manchester, empresa do senador e ex-ministro Eunício Oliveira (PMDB-CE), assinou sem licitação contratos que somam R$ 57 milhões com a Petrobrás para atuar na Bacia de Campos. Documentos da estatal mostram que foram feitos, entre fevereiro de 2010 e junho de 2011, oito contratos consecutivos, sempre com prazos curtos, o que permite “dispensa de licitação”. A Manchester doou R$ 400 mil para a campanha de Eunício.

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Concorrência é em área de apadrinhado de Dirceu

MACAÉ – O objeto do processo de licitação manipulado e fraudado pela empresa do senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE) é vinculado ao diretor de Serviços da Petrobrás, Renato Duque, apadrinhado do ex-ministro e do deputado cassado José Dirceu (PT). Dirceu e Eunício são amigos de longa data. Trabalharam juntos no governo Lula, quando foram ministros.

Duque é responsável pelas áreas de engenharia e de tecnologia da informação, entre outras. A contratação da Manchester Serviços Ltda. também passa pelas mãos do gerente-geral da Petrobrás na Bacia de Campos, José Airton de Lacerda. Outros três funcionários aparecem no processo de licitação: Eduardo Riskalla Pereira, Bruno Avelar Rangel e Rafael dos Santos.

O PMDB indicou o diretor da área Internacional, Jorge Zelada, e o de Abastecimento, Paulo Roberto Costa, no governo Lula, e os manteve com Dilma Rousseff.

A empresa fornece cerca de mil funcionários para áreas estratégicas da Petrobrás. Segundo empresários, a licitação foi montada no começo do ano para legitimar a empresa de Eunício por meio de um contrato fechado, após a simulação de uma “disputa” com outros concorrentes.

O Estado procurou todas as empresas envolvidas na concorrência. Apenas uma aceitou falar com a reportagem, a Parceria Consultoria Empresarial, uma empresa pequena, que ocupa duas salas num prédio comercial no centro do Rio de Janeiro. A diretora Sônia Gassman afirmou que não sabe de acordo, mas admitiu que sua empresa é pequena para ser convidada a participar de uma licitação desse porte. “A minha participação na Petrobrás é pequena, mixuruca. Nunca sou chamada para essas concorrências.”

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Estatal diz que não sabe de acerto; Eunício silencia

MACAÉ – Em resposta ao Estado, a Petrobrás disse que não soube de reuniões entre concorrentes da licitação que envolve a Manchester Serviços Ltda. “A Petrobrás desconhece essa informação. A licitação foi realizada em meio eletrônico, com entrega das propostas por computador. A abertura das propostas também foi eletrônica”, disse a estatal.

Procurado pela reportagem, o senador Eunício Oliveira mais uma vez optou pelo silêncio. Dono de 50% da Manchester, ele disse que está afastado das decisões da empresa. O senador é sócio de outras empresas contratadas pelo governo. Esse contrato com a Petrobrás será um dos maiores – senão o maior – já firmado por ele. Na semana passada, quando o Estado mostrou que o senador ganhou da Petrobrás pelo menos R$ 57 milhões sem licitação, ele também não quis se manifestar.

A Petrobrás alegou que desclassificou a Seebla Engenharia, que ofertou o menor preço, porque foram verificadas “inconsistências na proposta da empresa, entre elas a alíquota de determinado imposto em porcentual menor do que o que deveria ser praticado e a omissão dos porcentuais de determinados encargos sociais exigidos”. “Essas inconsistências tornaram a proposta inexequível”, disse. “A licitação do convite 0903283118 foi do tipo melhor preço e não menor preço.”

A direção da Seebla contestou as alegações da Petrobrás. Disse que sua proposta é adequada. “Os custos apresentados pela Seebla refletem com segurança a realidade do empreendimento aos mais altos interesses dessa companhia”, disse, em defesa entregue à estatal. Um dos pontos de discordância é o valor do Imposto Sobre Serviço (ISS), o que gerou a abertura de um processo em Macaé (RJ), sede da Petrobrás na Bacia de Campos.

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“A Seebla não procura nenhum concorrente”

BRASÍLIA – Em entrevista por escrito, o diretor da ouvidoria da Seebla Engenharia, Milton Rodrigues, confirmou as visitas de um diretor da Manchester à sua empresa, mas negou que tenha feito acerto na licitação. “Contra fatos não há argumentos”, disse ele, acrescentando que o responsável pela negociação, diretor comercial Jorge Luiz Scurato, não está mais na empresa. “quando participamos em licitações oferecemos preços compatíveis”, garantiu o diretor.

A reportagem do Estado tem provas da presença do diretor da Manchester José Wilson de Lima na sede da Seebla no dia 30 de março. A empresa confirma a visita?

Sim, contra fatos não há argumentos.

Ele esteve na empresa em outros dias, anteriores ao dia 30?

Respondido acima.

A reportagem tem a informação de que, na visita do dia 30 de março, o diretor da Manchester tratou com a direção comercial da Seebla da concorrência que haveria na Petrobrás no dia seguinte. Por que a Seebla aceitou a conversa?

Todos os assuntos comerciais são tratados exclusivamente com o diretor comercial e, neste caso específico, o diretor comercial (Jorge Luiz Scurato) não faz mais parte do quadro de funcionários da Seebla. Não podemos afirmar que tipo de assunto foi discutido nesse dia.

Foi a Manchester que procurou a Seebla ou a Seebla que procurou a Manchester?

A Seebla não procura nenhum concorrente.

Por que o diretor comercial Jorge Luiz Scurato deixou a empresa?

Houve um constrangimento pelo recebimento de um concorrente em nossa sede e o mesmo pediu o afastamento.

A Seebla faz acordos com concorrentes em licitações públicas?

A Seebla não aceita comentar qualquer fato dessa natureza e repudia completamente qualquer tipo de acordo.

A Seebla ofereceu o menor preço na licitação da Petrobrás, mas foi desclassificada porque a estatal alega que o preço oferecido pela empresa é inexequível. O preço oferecido é exequível?

Não existe nenhuma informação pública sobre essa licitação, o processo ainda não foi concluído e está sob sigilo. Por isso é que não podemos dar nenhuma informação sobre a licitação. A Seebla possui uma equipe de engenharia qualificada e quando participamos em licitações oferecemos preços compatíveis e realizáveis à luz do edital.

A Seebla avalia que tem sofrido alguma retaliação por parte da Petrobrás após esta licitação?

Não comentamos esse assunto.

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