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O repórter em cobertura de risco

Num fim de tarde do longínquo ano de 1995, quando cobria no Peru a reeleição do presidente Alberto Fujimori, a pauta do dia me levou a acompanhar uma manifestação de opositores, que protestavam contra as desavergonhadas fraudes ocorridas no pleito. Havia por volta de 500 pessoas, muito inflamadas. O clima era pesado.

Ao chegar à Praça Grau, em frente ao Palácio de Justiça, no centro de Lima, os manifestantes se depararam com uma barreira militar. Não se intimidaram. Munidos de pedras, avançaram. Avancei também, buscando, porém, ficar fora da linha do iminente combate.

Quanto tudo indicava que haveria o clássico embate homem a homem, um tanque de guerra surgiu e avançou sobre a praça, passando por cima de canteiros, indo em direção aos manifestantes. Num átimo, os opositores dispersaram, sendo seguidos pelos militares e pelo tanque. Bombas de gás lacrimogêneo espocavam em todos os lugares, fazendo a praça ficar dentro de uma nuvem.

Já não havia mais duas linhas, uma formada por manifestantes e outra por militares. Embolaram-se. A posição neutra onde eu me encontrara também desaparecera. Nenhum lugar era seguro.

Na confusão, vi colegas estrangeiros tirarem de dentro de suas mochilas coletes a prova de balas e máscaras anti-gás. Os equipamentos traziam em letras garrafais a palavra PRESS.

Eu não tinha nenhum daqueles equipamentos. Na verdade, nunca tinha passado pela minha cabeça que eu poderia precisar deles.

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Em 2004, nove anos depois, em Porto Príncipe, cobrindo os esforços da Força de Paz da ONU para a estabilização do Haiti, tive a oportunidade de acompanhar uma patrulha militar que buscava prender criminosos escondidos na Cité Soleil, maior favela da capital. O comboio era formado por veículos blindados, ladeados por militares fortemente armados. A mim, assim como aos demais jornalistas, sobrou um caminhão aberto. Fomos. Antes, porém, recebemos coletes a prova de balas e os tradicionais capacetes azuis das Forças de Paz da ONU. Perguntei quais os tipos de munição o colete conseguia resistir. Ouvi, aliado, que ele segurava tiros de fuzil.

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Eleição de Humala no Peru é vitória suprema de Lula sobre Chávez

Lula papou Chávez

Mais uma da série “posts que pretendia escrever, mas alguém foi mais rápido que eu”. Desta vez, quem me furou foi Alon Feuerweker, jornalista de boa cepa e um baita analista de política nacional e internacional. Resumo da história: a eleição do outora radical de esquerda Ollanta Humala para a Presidência do Peru e sua conversão ao estilo Lula de governar (ortodoxia na política econômica, mas sem perder o foco no social) significa a pá de cal no modelo bolivariano de Hugo Chávez, ex-guru de Humala (Alon não chega a tanto, mas para mim e também para a revista The Economist este é o sumo da história).

Leia abaixo, a análise de Alon e aqui o link para o artigo da The Economist.

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O sucesso de um modelo

Alon Feuewerker, do Blog do Alon

O modo como o presidente peruano Ollanta Humala chega ao governo é paradigmático de uma estratégia desenvolvida pelo PT no Brasil e agora exportada com sucesso para o vizinho nos Andes.

Moderação econômica, ênfase nos programas sociais e  busca de uma posição não hostil aos Estados Unidos.

Na resultante, a procura de um ambiente estável em prazo suficientemente longo para permitir a consolidação e a capilarização do poder. Com isso, e para isso, isolar a oposição política de suas fontes internas e externas de legitimidade.

Vem funcionando razoavelmente aqui. Funcionará com Humala?

O novo presidente peruano era na origem mais assemelhado a outro líder regional, o venezuelano Hugo Chávez. Na extração militar, nas raízes indígenas e na ideologia, que combina o nacionalismo à etnicidade.

Daí o nome do movimento que o catapultou à política nacional: o etnocacerismo. Uma fusão de nacionalismo militar, central na história moderna do país, e nativismo inca.

Mas o modelo chavista, confrontacional, mostrou-se recentemente algo desvantajoso. Na economia e na política.

Nesta, o ponto de inflexão talvez tenha sido a crise hondurenha, quando o presidente Manuel Zelaya pretendeu romper os limites institucionais e acabou vítima de um vitorioso golpe de estado.

Cujo desfecho se deu pela via pacífica, com a eleição de um sucessor e o último acordo político de reconciliação. O resultado da encrenca acabou por reforçar a posição americana e enfraquecer Chávez, o sócio de Zelaya na aventura que tirou o hondurenho da cadeira.

O Peru é exemplo regional de sucesso econômico, mas o presidente que sai, Alan Garcia, não pôde ou não quis influir decisivamente na própria sucessão. Provavelmente porque planeja voltar mais adiante e não arriscou catapultar uma liderança alternativa no seu próprio campo.

É sempre uma aposta arriscada, mas vai saber?

Humala, que perdera a última disputa para Garcia, venceu agora a filha do ex-presidente Alberto Fujimori, Keiko. O etnocacerista conseguiu atrair um pedaço do voto centrista-conservador, bem expresso no apoio recebido do escritor e Prêmio Nobel Mário Vargas Llosa, liberal convicto e militante.

Humala agitou bem a bandeira antigolpista, antifujimorista, e acabou levando por estreita margem no segundo turno.

Sua receita para obter os recursos necessários à implementação das políticas sociais é aumentar a taxação sobre setores oligopolizados, o mais destacado deles a mineração.

Humala assume num momento de crescentes incertezas econômicas. Talvez não venha a dispor da abundância de capitais externos sobre a qual o Brasil ergueu uma política econômica que, simultaneamente, tem garantido os benefícios sociais aos mais pobres, a remuneração generosa ao capital financeiro e algum controle da inflação.

É possível que o novo presidente peruano talvez precise copiar outro vetor do modelo brasileiro: a desnacionalização maciça, marcada pelo bonito nome de “investimento direto”. O mecanismo de preferência para atrair recursos que permitem o fechamento das nossas contas externas.

Como Humala vai combinar isso com o discurso nacionalista? Nem aqui precisará ser original. O que antes seria a inaceitável entrega das riquezas nacionais aos estrangeiros transformar-se-á rapidamente em sinal de confiança do resto do mundo na economia peruana.

E os opositores, eles próprios defensores dessa próspera alienação, irão dividir-se entre aplaudir e remoer-se de inveja. Estes últimos desperdiçarão tempo e energia cobrando coerência. E serão chamados de ressentidos, de não aceitarem a chegada do povo ao poder.

Assim como toda projeção, esta minha pode ser furada. Mas ela é pelo menos divertida.

Fascista

Culpar os cristãos ou os conservadores pelos atos do maluco de Oslo equivale a criminalizar os muçulmanos pelas ações da Al Qaeda.

Quando alguém aceita lançar mão do conceito de culpa coletiva, permite invariavelmente que a irracionalidade penetre um pouco mais na própria alma.

Fica um pouco mais fascista, em resumo.

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Direitos humanos na publicidade

A Folha de S.Paulo de hoje publica uma imagem sensacional (a primeira abaixo) da campanha da ISHR (International Society for Human Rights) contra chefes de Estado que censuram a internet. Selecionei outra imagem desta campanha e de outras campanhas publicitárias muito espertas na área de direitos humanos. Vejam:

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Venezuela cancela cúpula; aumenta incerteza quanto à saúde de Chávez

Xiiiiiiii…… Depois de espalhar aos quatro cantos que, ao comparecer na próxima semana à Cúpula da América Latina e Caribe, Hugo Chávez espanaria de vez os boatos de que está em estádo crítico de saúde, com câncer, a diplomacia venezuela anunciou hoje o cancelamento do evento, que seria realizado em Isla Margarita.

Faz 25 dias que Chávez deixou a Venezuela de surpresa e se internou num hospital em Havana.

Hoje, o governo de Cuba divulgou um vídeo em que Chávez aparece conversando com Fidel Castro. Veja abaixo:

 

 

 

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Possível agravamento na saúde de Hugo Chávez pode alterar geopolítica mundial

Chávez: sem ele, o antiamericanismo perderia força nas Américas e no mundo

Merece atenção a  informação difundida hoje pelo jornal El Nuevo Herald, de Miami, de que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, está com câncer na próstata em “estado clínico crítico”. Se a informação for verdadeira, em breve a geopolítica mundial – sobretudo a das Américas – poderá dar um pinote.

Doze dias atrás, Chávez sumiu de cena em Caracas e reapareceu internado num hospital de Havana. Os boletins médicos relatam, de forma obscura, que o presidente venezuelano trata de um abscesso pélvivo. Não há previsão de alta.

Herdeiro político de Fidel Castro, Chávez carrega de forma solitária a bandeira do antiamericanismo nas Américas, o que faz dele a principal referência no continente para os inimigos da Casa Branca, como o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, e o ditador líbio, Muammar Gaddafi.

Uma possível ausência de Chávez seria um forte abalo para o movimento antiamericanista, que perderia assim um marqueteiro vigoroso e os bilhões do petróleo venezuelano. Os irmãos Castro, por sua vez, ficariam sem seu principal parceiro ideológico. É de se esperar que um possível fim abrupto da “revolução bolivariana” de Chávez causaria grande impacto na decrépita revolução cubana.

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Peru: duas fotos, dois momentos, dois Fujimori

Muitos me perguntam pela foto que ilustra o topo do blog. Boa época para falar sobre ela.

A imagem foi feita no Peru, em 1993, pela extraordinária repórter-fotográfica peruana Cecília Simpson. Corria então a metade do primeiro de três mandatos do presidente Alberto Fujimori. No ano anterior, ele sacudira o país com dois eventos: um autogolpe, com fechamento do Congresso, e a prisão do terrorista número um do país, Abimael Guszmán, líder do sanguinolento Sendero Luminoso.

Fujimori era o herói e o vilão do Peru.

Eu ao lado do capitão Renzo, do Exército peruano, no interior de Ayacucho, em 1993

Eu, trabalhando para a revista belga Défis Sud, e Cecília, para o jornal peruano El Comercio, viajávamos a Ayacucho para registrar um fenômeno social incrível: o retorno de famílias de trabalhadores rurais que haviam sido expulsas de suas terras pelo Sendero Luminoso 20 anos antes. Não era um retorno fácil. Por falta de segurança, a população ainda era obrigada a viver acampada em torno de uma esquálida base do Exército. De manhã, com uma chamada oral, os militares conferiam se todos ainda estavam lá. Em seguida, escoltados por soldados de fuzis nas mãos e olhos fixos nas montanhas, os camponeses seguiam até suas antigas propriedades. Passavam o dia a trabalhar na terra e podiam visitar suas casas abandonadas, algumas delas em ruínas. Mas, por falta de segurança, não podiam ainda ficar. Antes do fim da tarde, os camponeses retornavam ao acampamento, onde era feita nova chamada oral. Quando a noite chegava, o medo de um ataque surpresa rondava a cabeça de todos. No outro dia, tudo se repetia.

O temor de um ataque não era sem propósito. Não havia um camponês sequer com os quais convivi naqueles dias que não tivesse pelo menos um familiar sequestrado ou morto pelos terroristas de esquerda ou por grupos paramilitares de extrema direita ligados às Forças Armadas.

Foram muitos os que aconselharam a mim e a Cecília a não viajar pelo interior de Ayacucho. Na capital do Departamento (estado), também chamada Ayacucho, um militar nos mostrou fotos feitas pelo Exército pouco tempo antes: uma dezena de cabeças cortadas num campo de futebol da região. Terroristas do Sendero haviam invadido uma pequena vila rural, matado todos os homens e, depois, jogado futebol com as cabeças.

Antes de viajar ao interior, ainda na capital Ayacucho, tive a sorte de fazer minha primeira entrevista com o presidente Fujimori, que chegara de surpresa para uma visita. No dia seguinte, eu e Cecília partimos para ver como viviam los desplazados (na tradução literal, “os deslocados”). Nossos guias foram um jornalista local, Hugo, e seu segurança, um assassino profissional chamado El Gatito. De Ayacucho até a base do Exército, rodamos algo em torno de 150 quilômetros. Ao volante de seu velho Fusca, ia Hugo e  ao seu lado o tenso El Gatito, com um revólver 38 na mão direita. No banco de trás, eu e Cecília.

Quando o Fusca atolou, pensamos: ferrou! (não foi exatamente essa a palavra). Nossa sorte foi que apareceu o capitão Renzo com seus homens. Depois de ouvir um sermão, fomos resgatados e levados à tal base esquálida do Exército, onde ficamos “hospedados” por alguns dias.

Numa das expedições diárias para acompanhar aquele bizarro cultivo da terra sob canos de fuzil, Cecília fez a foto que ilustra o blog. O barbudo com a câmera na mão sou eu; ao meu lado, o capitão Renzo. Ao fundo, os soldados a vigiar as montanhas.

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Sete anos mais tarde, retornei ao Peru para entrevistar Fujimori pela terceira vez. De madrugada, em Lima, um assessor do palácio presidencial telefonou para mim com um recado: eu deveria estar na porta do hotel às 5h da manhã para ser apanhado por um oficial do Exército que me levaria ao encontro de Fujimori. Eu viajaria com El Chino, mas, por uma norma da segurança, só saberia para onde quando estivesse dentro do avião presidencial.

O momento era bem diferente. O país fora “pacificado” por Fujimori – a golpes de tacape, bombas e muitos tiros de fuzil, é bem verdade. O terrorismo agonizava. Fujimori se preparava para disputar a re-reeleição, uma invenção bem ao estilo Fujimori.

Para se perpetrar no poder, ele fraudaria as eleições mais uma vez e usaria contra seus adversários todo o repertório sujo do serviço secreto – o temido SIN (Serviço de Inteligência Nacional), comandado pelo assassino e traficante (de armas e drogas) Vladimir Montesino.

Naquele ano, Fujimori foi re-reeleito – sob as bençãos do governo Fernando Henrique Cardoso, diga-se de passagem. Naquele ano também, em decorrência de uma série de escândalos, El Chino abandonou a Presidência e fugiu para o Japão.

Mas não falei ainda da minha viagem com Fujimori. Para minha surpresa e alegria, nosso destino era o interior de Ayacucho. Como mostra a foto abaixo, fazia muito frio e Fujimori usava um belo poncho. Eu, desprevenido, tremia o queixo.

O então presidente do Peru, Alberto Fujimori, e eu, no interior de Ayacucho, no ano 2000

Nossa comitiva viajou sob um pesado esquema de segurança. Mas, nesse quesito, o Peru do ano 2000 certamente era melhor que o de 1993. Salvo uma ou outra célula do Sendero Luminoso e do MRTA (Movimento Revolucionário Túpac Amaru), a região de Ayacucho, bem como todo o país, estava praticamente livre do terrorismo. Los desplazados já viviam em suas casas e não precisam mais plantar sob a vigilância de soldados.

Fujimori foi bom para o Peru.

Fujimori foi péssimo para o Peru.

Foi isso que o eu vi.

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O povo não é bobo. (Ou a-ha!, u-hu!, abaixo a Telesur!)

Cartas do documentário "A revolução não será televisionada"

Na Venezuela, no passado recente, o presidente Hugo Chávez foi vítima de uma sórdida campanha dos meios de comunicação daquele país. Em 2002, sofreu um golpe de Estado (posteriormente revertido) movido por interesses internacionais (leia-se, Casa Branca) e locais (leia-se, gangsteres metidos no negócio do petróleo). Com apoio material, financeiro e uma cobertura jornalística desavergonhada, empresários de comunicação venezuelanos foram sócios na conspiração. Tudo pode ser visto no excelente documentário irlandês A revolução não será televisionada (link abaixo).

Nove anos se passaram. E agora é Chávez quem lança mão dos meios de comunicação na tentativa de tanger a realidade de um país.

Enquanto o mundo assiste maravilhado à onda revolucionária no mundo islâmicno, Chávez colocou sua Telesur, rede de TV que controla, a serviço de um de seus maiores aliados, o ditador líbio, Muamar Kadafi. “Calma na capital da Líbia”, anuncia o locutor (veja abaixo).

Em outra reportagem (assista aqui), com uma voz fraca, quase envergonhada, o enviado especial da Telesur à capital Líbia, Jordán Rodríguez, repete o bordão: “A calma se mantém em Trípoli”. Meninos jogam futebol, o comércio funciona normalmente, as pessoas andam nas ruas… No pasa nada!

Mas o povo não está nas ruas? Sim, concorda a Telesur, mas por um motivo bem diferente do que imaginamos, qual seja, para empenhar apoio a Kadafi e protestar contra a campanha velada da Otan por uma invasão estrangeira da Líbia. O repórter tem a pachorra de entrevistar dois apoiadores de Kadafi que dizem que a situação na capital está tranqüila. Mas e quanto aos relatos que dão conta de centenas de civis mortos e de deserções nas Forças Armadas e no Executivo, motivadas pela discordância em relação à forte repressão do governo contra os manifestantes? Isso é coisa da Al Jazeera e da BBC, que estariam distorcendo a realidade, explicam os entrevistados.

Quem diria, a revolução está sendo televisionada, mas não pela TV de Chávez. O efeito disso será nulo – aliás, servirá apenas para queimar ainda mais o já velado filme do presidente venezuelano.

A Telesur prevarica; a onda continua.

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Na Argentina, Videla condenado; No Brasil, Ustra sapateia sobre suas vítimas

General Videla: condenado na Argentina

Coronel Ustra: livre no Brasil

No dia 22 de dezembro, na Argentina, foi condenado à prisão perpétua pelo assassinato de 30 presos políticos o general Jorge Videla, 85 anos, ex-ditador e principal mentor da repressão que matou 30 mil pessoas naquele país entre 1976 e 1983.

Cinco dias depois, no Brasil, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, 77 anos, registrou o fato no seu site, A Verdade Sufocada. Por cima de uma foto de Videla, Ustra escreveu “heroi”. O general, na visão do coronel, faz parte da safra dos militares latino-americanos que tomou o poder à força para, também na base da força, fincar a bandeira da democracia na região. Para Ustra, Videla é uma vítima da “virulenta campanha” comunista inaugurada com a redemocrazitação da América Latina.

Ustra comandou o DOI-Codi de São Paulo de setembro de 1970 a janeiro de 1974. Para que não fosse reconhecido pelos presos políticos, usava um codinome: doutor Tibiriçá. No período, 40 prisioneiros que estavam sob sua guarda foram mortos ou desapareceram. Outros 502 denunciaram terem sido vítimas de torturas – quatro delas afirmaram que as sessões de suplício foram comendadas pessoalmente pelo doutor Tibiriça.

Ustra vive em Brasília. Mora numa confortável casa no Lago Norte e sobrevive dignamente com sua pensão de coronel do Exército. Passa boa parte do tempo na internet, a louvar seus pares, como Videla, e a achincalhar “comunistas”, como Dilma Rousseff. Sua ficha militar contém 59 elogios (entre eles, “oficial de elevadas qualidades morais”, “de fino trato”, “de tranquilidade interior absoluta”, “responsável”, “leal”, “coerente em seus procedimentos”, “acendrado espírito de dever”, “equilibrado”, “disciplinado”, “excepcionais qualidades de caráter”, “educado” e “humano”).

Há décadas, familiares das vítimas de Ustra tentam levá-lo à cadeia (ele e outros). Agem com o respaldo de membros do Ministério Público que defende que a lei da Anistia não pode ser aplicada em casos como o de Ustra, por uma razão: os seqüestros e desaparecimentos de presos políticos ocorridos nos anos 1960 e 1970 são crimes ainda em andamento, por que insolúveis; a ocultação dos cadáveres, portanto, é uma ação que perdura ainda hoje.

A Argentina já acerta contas com sua História. O Brasil ainda não.

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As escolhas de Dilma na esfera militar: ela prefere os duros

Dilma Rousseff

General Elito

A mídia passou batida por uma das nomeações mais curiosas e reveladoras do ministério de Dilma Rousseff. A presidente eleita escolheu para o cargo de ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) o general José Elito Carvalho Siqueira, um aracajuense de 64 anos. Ao noticiar o fato, a imprensa se limitou a receber e a passar adiante o dado que mencionava a nobre missão do general no inferno caribenho – ele comandou as forças de paz da ONU no Haiti entre 2006 e 2007. Mas ignorou que o general, já na gestão Lula, cumpriu um polêmico encargo: a mega operação militar moldada para intimidar o Paraguai.

A operação comandada pelo general Elito tem sua origem no começo de 2008, quando luzes vermelhas se acenderam em gabinetes civis e militares de Brasília. Na época, Fernando Lugo, ex-bispo católico de esquerda, apresentava-se como forte candidato à Presidência do Paraguai com um discurso que tocava em pontos sensíveis para o Brasil: reforma agrária e renegociação do acordo de Itaipu.

Em relação à primeira promessa, ao acenar com a disposição de pagar uma dívida ancestral com os sem-terra miseráveis de origem indígena do Paraguai, Lugo lançou uma nuvem negra sobre os brasiguaios (500 mil brasileiros radicados no Paraguai, 10% da população daquele país), cuja elite controla grandes porções de terra e o agronegócio local

Com a proposta de rever o acordo de Itaipu, Lugo causou mais desconforto ainda em Brasília. Em 1973, os governos dos generais Médici e Stroessner estabeleceram os marcos da binacional Itaipu, fincada na divisa do Brasil com o Paraguai. Cada país teria direito a 50% da energia produzida pela hidrelétrica e, caso houvesse excedente nas respectivas cotas, a preferência de compra seria do outro sócio. Acontece que o Paraguai usa apenas 5% da energia de Itaipu e é obrigado a vender o restante ao Brasil a preço de custo. A proposta de Lugo de rever o acordo, portanto, não era exatamente um absurdo. Um país pobre e fraco apenas exigia um tratamento mais justo do vizinho forte e rico.

O governo Lula, contudo, não viu com bons olhos os clamores do Paraguai. Confirmando a histórica tendência expansionista do Brasil sobre o vizinho, inaugurada na guerra do Paraguai (1864-1870), o governo Lula optou por chamar as Forças Armadas. E é neste ponto da história que entra o nosso personagem, o general Elito.

Um mês após a eleição de Lugo, as Forças Armadas do Brasil puseram em marcha a Operação Fronteira Sul, seguida, 120 dias depois, pela Operação Fronteira Sul II. Ambas foram comandadas pelo general Elito. Formalmente, tratava-se de meros exercícios militares na divisa do Brasil com Paraguai, Uruguai e Argentina. Na prática, eram mensagens explícitas e duras ao Paraguai: não mexa com os brasiguaios, não force a barra com Itaipu. Cada operação envolveu mais de 10 mil soldados, 250 veículos blindados e tiros com munição real. Missões especiais foram realizadas no lago de Itaipu, inclusive com simulação de resgate de reféns.

A demonstração de força desproporcional já era um recado suficientemente claro para o Paraguai, mas as Forças Armadas do Brasil quiseram ser ainda mais diretas. Foi então que o general Elito veio a público dar voz à política big stick do Brasil. Em entrevista ao site DefesaNet, especializado em temas militares, o general disse o seguinte:

  • “Hoje, nós temos de demonstrar que somos uma potência, e é importante que nossos vizinhos saibam disso. Não podemos deixar de exercitar e mostrar que somos fortes, que estamos presentes e temos capacidade de enfrentar qualquer ameaça”;
  • “Caso ela (a empresa Itaipu) não consiga mais prover a segurança de suas instalações, seja pela invasão de movimentos sociais (do Paraguai) ou pelas ameaças, o problema poderá ser tornar uma questão policial ou militar. (…) O Exército Brasileiro existe para cumprir qualquer missão em qualquer lugar do território nacional”.

Era um discurso inusual, sobretudo vindo de um general quatro estrelas que, na época, tinha sob seu comando 50 mil soldados (ou seja, um quarto do efetivo do Exército) e 75% dos meios mecanizados existentes na força terrestre.

Os exercícios militares na fronteira, somados às palavras do general Elito, caíram como uma ofensa no Paraguai. O Ministério das Relações Exteriores paraguaio enviou uma nota ao Itamaraty e o presidente Lugo saiu a público para dizer que, “se estão tratando de dar essa mensagem (de amedrontamento), o povo paraguaio não tem nada a temer”. (A fala soberana é tão bonita quanto irreal; no campo econômico, para manter-se de pé, o Paraguai depende da boa vontade do Brasil e, no campo da força, está igualmente à mercê do vizinho.)

A partir de janeiro, o general Elito despachará no 4º andar do Palácio do Planalto, próximo ao gabinete de Dilma. Caso seja mantido o atual desenho institucional do GSI, ele terá sob suas asas o serviço secreto (a Abin), a segurança pessoal de Dilma e de seus familiares e a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad). Entre as funções do general, estará o “assessoramento pessoal ao Presidente da República em assuntos militares e de segurança”.

As duas escolhas feitas até agora por Dilma que tem reflexos na área militar (Nelson Jobim para o Ministério da Defesa e o general Elito para o GSI) revelam que a futura presidente está disposta a jogar com a ala dos duros. É bom ficar atento aos próximos lances desse jogo.

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