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[ARQUIVO DE REPÓRTER – 2] Serra Leoa é aqui

Mais um dia de férias. Conforme combinado, segue mais um post da série Arquivo de repórter.

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“Estamos investigando uma rede de contrabando de diamantes. Vai cair gente graúda.” A dica – seca, sem maiores informações – veio de uma fonte na Polícia Federal. Até então, eu nada sabia sobre o tema.

Nas semanas seguintes, fui cutucando a fonte até ela me contar que, diferentemente do que eu pensara inicialmente, os diamantes contrabandeados não eram brasileiros, mas sim africanos. Pesquisei o tema até encontrar a ONG canadense Parceria África-Canadá (PAC), que tinha um grande dossiê sobre o assunto. Depois de estudá-lo, viajei à Amazônia atrás de informações. Na volta, com o embornal cheio, procurei novament a fonte da PF. Diante do meu progresso, a fonte abriu o jogo. Daí para frente, ficou fácil.

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Serra Leoa é aqui

Lucas Figueiredo, para a Rolling Stone (abril de 2007)

Há milhões de anos, as profundezas da Terra foram tomadas por uma onda de calor avassaladora. O miolo do planeta ferveu. Quando a temperatura atingiu 3.815º C, grandes porções de carbono enterradas no solo sofreram uma mutação espetacular. Da massa vulcânica ardente, desprenderam-se cristais transparentes de tons amarelados, esverdeados, rosa e branco leitoso. Com o tempo, devido à pressão no interior da Terra, essas pedras acabaram sendo expulsas para camadas bem próximas à superfície e algumas chegaram a romper o solo. Assim brotaram os diamantes.
Terá sido coisa de Deus ou do diabo?

O melhor amigo das garotas faz girar uma indústria formal que emprega 10 milhões de pessoas e movimenta US$ 60 bilhões por ano. É também, no outro lado da moeda, fonte de sofrimento e injustiça, como mostra Diamante de Sangue, filme estrelado por Leonardo DiCaprio. Fora as pieguices do tipo só-o-amor-constrói, ninguém-é-tão-ruim-que-não-possa-se-recuperar e o-bem-sempre-vence-o-mal, a fita tem o mérito de retratar, com fidelidade histórica (coisa cada vez mais rara em Hollywood), uma das grandes tragédias da África. Só faltou aos roteiristas do filme contar que a história dos “diamantes de sangue” é também uma história brasileira. E o Brasil, nesse caso, não é o mocinho.

Investigações em andamento no Brasil e na Bélgica, cujos resultados serão anunciados ainda neste semestre, apontam para a existência de uma rede internacional de contrabandistas que, a partir do território nacional, reexporta, para a Europa, diamantes extraídos ilegalmente na África. Parte do lucro do negócio fica no Brasil, outra parte segue para a Europa e uma terceira parcela retorna à África, onde ajuda a custear guerras civis.

O problema começou a tomar proporções de tragédia quando, no início da década de 1990, rebeldes de Serra Leoa – na verdade, bandidos sanguinolentos reunidos sob o pomposo nome de Frente Unida Revolucionária (FUR) – descobriram que os diamantes que brotavam com fartura do solo africano podiam financiar seus tresloucados projetos de poder. A fim de levar a melhor na guerra civil que assolava o país, os guerrilheiros da FUR tomaram, na base do balaço e de golpes de facão, o controle sobre as minas de diamantes do governo. (Lá, tal qual no Brasil, as pedras são facilmente encontradas na superfície da Terra. Sem necessidade de maiores tecnologias, basta lavar o cascalho com a bateia para encontrar os diamantes.) A FUR passou então a seqüestrar homens e crianças para trabalharem nas minas. Os homens viraram garimpeiros-escravos (como o personagem Solomon Vandy, interpretado por Djimon Hounson em Diamante de Sangue). E as crianças, por meio de uma tenebrosa lavagem cerebral, processo também retratado no filme, foram transformadas em guardas das minas e soldados treinados para matar. Para que tudo funcionasse conforme o figurino diabólico da FUR, quem saía da linha era assassinado ou tinha braços, pernas, orelhas ou lábios amputados com facão.

Índios-cintas-largas em garimpo ilegal, em Pimenta Bueno(RO)

Os guerrilheiros de Serra Leoa trocavam os “diamantes de sangue” (a expressão vem daquela época e não carece de maiores explicações) por armas e treinamento. Não lhes faltavam fregueses. Um dos parceiros da FUR nesse comércio era o então ditador da Libéria, Charles Taylor. (Taylor atualmente está preso e aguarda julgamento pelo Tribunal Internacional de Haia por crimes contra a humanidade. As acusações incluem assassinatos em massa, violência sexual, tortura, recrutamento de crianças-soldados, seqüestro, trabalho forçado e ataques a funcionários da ONU. No currículo de Taylor consta ainda o fato de que ele inspirou o personagem do ditador e assassino André Baptiste no excelente filme Senhor das Armas, estrelado por Nicolas Cage.)

Os lucrativos negócios da FUR e de Charles Taylor contagiaram malucos de outros países. Logo, guerrilhas da Angola, do Congo, do Zaire (atual República Democrática do Congo) e da Costa do Marfim aderiram à indústria dos “diamantes de sangue”. Uma parcela considerável dos 30 milhões de armas leves que circulam atualmente na África (a conta é da ONG Small Arms Survey) foi comprada em transações envolvendo as pedras. Resumo da história: de lá para cá, 4 milhões de pessoas foram mortas na África e mais de 200 mil crianças foram transformadas em baby killers em conflitos financiados com parte dos lucros obtidos com a venda das gemas.
O Brasil foi incluído nessa corrente criminosa justamente no momento em que o mundo tentava dar uma solução para o problema. Mal calculada, a estratégia para conter a extração e o contrabando dos “diamantes de sangue” acabou por aumentar o número de países envolvidos na questão. E assim, o Brasil virou rota das pedras malditas.

Só no ano 2000, com seu rotineiro atraso para interferir nos genocídios africanos, a ONU acordou para o fato de que os lendários diamantes do continente (lendários pela fartura, beleza, pelo tamanho e valor) estavam alimentando atrocidades. Numa reunião realizada na cidade de Kimberley, na África do Sul, combinou-se um plano para expulsar os “diamantes de sangue” das joalherias (sim, o outro lado horripilante dessa história é que as pedras que movem guerras vão parar no dedo, nas orelhas, nos pescoços e umbigos de muita gente fina deste mundo, sobretudo dos Estados Unidos e da Europa). A idéia era simples e parecia genial: os países fariam um pacto em que se comprometiam a comprar e vender somente os diamantes extraídos, de forma legal, em minas localizadas fora de áreas de conflito. O atestado de “bons antecedentes” das pedras – batizado de certificado Kimberley – seria fornecido a partir de 2003 pelos governos locais, sob rigorosa inspeção dos países participantes do acordo e da ONU. Assim, numa única tacada, impedia-se que os países africanos envolvidos em guerra civil tivessem acesso ao mercado oficial de diamantes e, por tabela, estimulava-se a legalização de uma indústria vocacionada para a clandestinidade.
Beleza! Só faltava ao plano funcionar. E foi aqui que a coisa deu chabu.

Como era de se esperar, integrantes da indústria do “diamante de sangue” (e aqui não está se falando apenas de africanos, mas de gente de várias partes do mundo) não aceitaram mudar de ramo tão facilmente. Na impossibilidade de obter os certificados Kimberley nos países de origem das pedras, os criminosos passaram a fraudar o “pedigree” dos “diamantes de sangue”, registrando-os em outros países. Um deles é o Brasil.

De acordo com o Ministério Público e a Polícia Federal, há fortes indícios de que “diamantes de sangue” são vendidos na Europa como se fossem pedras brasileiras extraídas de forma legal. Uma força-tarefa que reúne a PF, o MP, a Receita e o Tesouro Federal investiga o caso há três anos. No ano passado, dez pessoas chegaram a ser presas na chamada Operação Carbono. O material apreendido na ocasião levou a novas pistas, e a apuração ganhou fôlego. O delegado da PF responsável pelo inquérito, Marcelo Eduardo Freitas, afirma que os trabalhos devem ser concluídos em breve. Ele prefere não adiantar suas conclusões, mas, em entrevista à Rolling Stone, deu uma dica preciosa: “Há veementes indícios de que boa parte dos diamantes comercializados no Brasil não provém dos garimpos declarados nos certificados Kimberley. Há possibilidade inclusive de que diamantes tenham vindo do exterior, de regiões de guerra civil”.

Não são apenas as autoridades brasileiras que seguem as pistas dos “diamantes de sangue” no país. Nos últimos meses, a Bélgica (maior centro mundial de comércio de diamantes) entrou no caso. Sem alarde, procuradores e polícias da Bélgica estiveram no Brasil no final do ano passado a fim de compartilhar as informações colhidas na Operação Carbono. Depois disso, numa blitz realizada em empresas da Antuérpia – cidade da Bélgica onde são negociados 80% dos diamantes brutos e 50% das gemas lapidadas no mundo -, dois brasileiros foram detidos, fichados e, logo após, soltos. Não se trata de bagrinhos. Um deles é parente de um poderoso político de Minas Gerais.

A “lavagem” dos “diamantes de sangue” no Brasil funciona em três etapas. Primeiro, as gemas são contrabandeadas para o Brasil. Moleza! Atravessar as alfândegas dos continentes africano e americano com diamantes é uma barbada. Escondidas num bolso falso da calça ou até mesmo dentro de uma vasta cabeleira, as pedras não são acusadas pelos detectores de metais. Além disso, um punhadinho delas ou mesmo uma única gema pode valer uma fortuna. Recentemente, uma pedra brasileira de 86 quilates (um diamante rosa igual ao que DiCaprio persegue no filme) foi vendida para compradores da China por US$ 12 milhões.

Na fase seguinte, após internar as pedras africanas no Brasil, os contrabandistas pagam mineradores locais devidamente regulamentados para que eles assumam os “diamantes de sangue” como se fossem gemas encontradas em suas lavras. O “garimpeiro-laranja” então vai ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) – órgão do Ministério de Minas e Energia encarregado de emitir os certificados Kimberley – e registra as pedras em seu nome. Daí, legalizados como pedras de Minas Gerais, do Mato Grosso ou da Bahia, os “diamantes de sangue” ganham as joalherias do mundo.

O DNPM nega que o Brasil esteja na rota das gemas africanas e não reconhece falhas no processo de concessão dos certificados Kimberley. A posição oficial, no entanto, é bombardeada dentro e fora do país.

A ONG canadense Parceria África-Canadá (PAC), que se dedica a investigar e denunciar o comércio de “diamantes de sangue”, diz que não encontrou nada no sistema brasileiro que impeça a “lavagem” das gemas africanas. A própria PAC já chegou bem perto de flagrar o esquema. Numa investigação realizada em 2005, integrantes da ONG disfarçados de compradores de diamantes contataram, no Mato Grosso, um israelense que trabalha com a exportação da pedra. O israelense afirmou aos membros da PAC que negociava diamantes da República Democrática do Congo, país que desde 2004 está suspenso do mercado internacional das gemas. “A PAC não encontrou nenhuma prova de que essas redes estavam trazendo diamantes do oeste da África para o Brasil, mas, com uma rede de pessoas e contatos em vigor, seria relativamente simples para uma dessas redes dar um passo adiante e começar a ‘lavar’ as pedras através do Brasil”, diz o relatório da ONG.
O trabalho de detetive realizado pela PAC resultou na revelação de uma megafraude com um certificado Kimberley emitido no Brasil. De quebra, trouxe à luz um personagem acostumado a andar nas sombras – sombras brasileiras, africanas e européias. O personagem é Hassan Ahmad, e a fraude refere-se ao certificado Kimberley número 64.

Primeiro, o personagem. Hassan nasceu em Serra Leoa, foi registrado no Líbano e possui passaporte belga. Esse multiétnico senhor de 43 anos, calvo precoce e rechonchudo, vive no Brasil, mais especificamente em Belo Horizonte. Seu ramo: exportação de diamantes. Com um português precário (ele prefere se comunicar em árabe), Hassan montou sua base de negócios num escritório e num quarto de hotel localizados na zona sul da capital mineira. Segundo levantamento feito pela PAC com base em dados do Anuário Brasileiro Mineral, Hassan foi responsável, em 2004, pela exportação de 96% dos diamantes registrados em Minas Gerais (o estado número 1 do ranking nacional) e 53% das exportações totais do Brasil. Nada mal para quem nunca pegou numa bateia.

Preso no ano passado na Operação Carbono sob a acusação de ser um dos cabeças de uma rede internacional de contrabando de diamantes, Hassan passou uns dias na cadeia, foi solto e agora responde a processo em liberdade. Seu advogado, Carlos Alberto Arges Júnior, afirma que seu cliente é inocente. “Não tem nada firmado ainda contra ele. O que há são suposições”, afirmou à reportagem. E que suposições!

Hassan tem uma família da pesada. Os Ahmad estão no ramo dos diamantes desde a década de 1970, sempre com uma autoridade policial no cangote. Segundo a ONG Global Witness, que monitora relatórios de órgãos de inteligência norte-americanos, integrantes do clã já foram investigados pelo serviço secreto dos Estados Unidos e pelo Conselho de Segurança da ONU. Said Ali Ahmad, pai de Hassan, é suspeito de “lavar” dinheiro por meio de negócios com “diamantes de sangue”. Já um dos irmãos de Hassan, Ali Ahmad, foi (mal) citado no relatório S/2003/1.207 da ONU, que trata dos esforços do organismo na defesa dos recursos naturais da África. Na Bélgica, onde é dono da empresa Asa Diam (uma das receptadoras dos diamantes que Hassan exporta do Brasil), Ali também enfrenta grossas acusações. O Ministério Público belga informou à Polícia Federal brasileira que possui provas de que Ali fez vultuosas transferências bancárias para Nassour Aziz e Ossaily Samig, expoentes da máfia libanesa que comercializam os “diamantes de sangue” da República Democrática do Congo e de Serra Leoa.
No Brasil, Hassan é dono da Primeira Gema, empresa exportadora de diamantes sediada em Belo Horizonte. Segundo a PAC, a Primeira Gema tem conexões com a Primo Gem da República Democrática do Congo. A Bélgica é o principal destino dos diamantes exportados por Hassan a partir do Brasil. Além de vender as pedras para a empresa de seu irmão, Hassan tem negócios naquele país com a Sierra Gem, Diamonds NV, Tripla A Diamonds, Anar e African Star. Alertadas pela PF, as autoridades belgas cuidam agora de investigar se há algum crime por trás dessas parcerias.

Hassan também foi fisgado em outro caso tarja-preta. O nome do libanês aparece na lista de pessoas que enviaram recursos para fora do Brasil por intermédio da empresa Beacon Hill, uma “gigalavanderia” de dinheiro sujo. Ele obviamente nega qualquer irregularidade.

Fato é que o sujeito toca seus negócios com métodos, digamos, pouco ortodoxos. Um caso ocorrido em 2003 ilustra perfeitamente o estilo deixa-que-eu-chuto de Hassan. Naquela ocasião, ele decidiu expandir seus tentáculos até o garimpo do Rio Abaeté, próximo a Patos de Minas (MG), onde já foram encontrados os cobiçados diamantes cor-de-rosa. A região, contudo, era dominada pelos irmãos Gilmar e Geraldo Campos, conhecidos como “os reis do diamante”. A fim de ganhar a simpatia dos garimpeiros, que já tinham o costume de vender suas pedras para os irmãos Campos, Hassan não teve dúvida. Alugou um helicóptero, sobrevoou o garimpo e jogou lá de cima R$ 50 mil em notas de 10. A chuva de dinheiro provocou uma confusão tão grande que a Polícia Militar teve de ser acionada para serenar os ânimos.

Descrito o personagem, passemos à fraude com o certificado Kimberley número 64, uma história incrível em que aparece um morto que anda, uma montanha de dinheiro e, é claro, o nome de Hassan.

Em 2003, um homem que se apresentava como Fábio Tadeu Dias de Oliveira solicitou ao DNPM o direito de lavra sobre uma área de 100 hectares localizada no vale do Rio Jequitinhonha, próximo à cidade mineira de Diamantina. (Na mesma região, no início do século 18, foram encontrados os primeiros diamantes brasileiros, que tanto fizeram a alegria das cortes européias.) Garimpeiro o sujeito até podia ser, mas Fábio Tadeu Dias de Oliveira ele não era. Fábio havia morrido em São Paulo dois anos antes, aos 25 anos de idade, pobre de marré de si, depois de tentar a vida como motoboy, praticar pequenos furtos e vender objetos roubados.

O certo é que o fantasma conseguiu duas licenças do DNPM, registradas com os números 833476/2003 e 833479/2003 no dia 30 de junho de 2004. Sete dias depois (alguém aí lembrou que sete é numero de mentiroso?), o espectro de Fábio “bamburrou”, como costuma-se dizer no garimpo quando alguém faz um grande achado. De acordo com os registros oficiais, foi nesse dia que o gasparzinho de Diamantina vendeu para a empresa Morgan Mineração, por US$ 261 mil, uma partida de diamantes de 6.876,92 quilates. Três semanas depois, a Morgan Mineração repassou o lote para a Primeira Gema, de Hassan Ahmad. E este, ato contínuo, vendeu as pedras para a Sam Diamonds, de Dubai, nos Emirados Árabes. O preço foi salgado: US$ 2,97 milhões, mais de dez vezes o valor inicial do negócio.

A presença de um desencarnado na transação (o espírito chegou a figurar como sexto maior produtor de diamantes do Brasil, com faturamento anual de R$ 5 milhões) é apenas um dos mistérios da fraude. Nas suas investigações, a PAC descobriu que a lavra de onde teria brotado essa rara partida de diamantes está localizada numa área com baixo potencial para mineração. Ou seja, o fantasma teria escolhido garimpar numa lavra micada e mesmo assim, sete dias após iniciar os trabalhos, encontrou uma fortuna em pedras. Vai ter sorte assim no céu.

Existem outras irregularidades nas gemas do certificado Kimberley número 64. O gerente da Morgan Mineração, Vinicius José Wanderley Costa, afirmou aos investigadores da PAC que nunca comprou ou vendeu diamantes. Seu ramo de atividade, explicou ele, é a produção de pigmentos minerais usados na fabricação de tintas. O gerente da Morgan Mineração deduz que alguém pode ter clonado um talão de notas fiscais com o nome da empresa.

Na opinião da PAC, se quem encontrou as pedras é um fantasma e quem as vendeu a Hassan garante nunca ter comercializado com diamantes, o mais provável é que o libanês seja o autor da fraude com o certificado 64. “A longa lista de documentação que sustenta o certificado 64 é fraudulenta do começo ao fim e a única pessoa que certamente em algum momento manuseou estas pedras foi Hassan Ahmad”, afirma o relatório da ONG. “Os diamantes”, conclui a PAC, “podem ser provenientes da reserva indígena Roosevelt (Rondônia) ou podem ter vindo da África. Não há como saber. O que é certo é que eles não vieram dos locais das permissões de lavra mencionados na solicitação”.

O governo brasileiro até que tentou rebater as acusações da ONG, mas acabou pagando um mico internacional. Na reunião anual dos participantes do processo Kimberley de dezembro de 2005, em Moscou, a delegação brasileira do Ministério de Minas e Energia contestou as alegações da PAC. Na ocasião, um dossiê do DNPM, recheado com fotos de garimpos, mapas e croquis, foi apresentado como prova definitiva de que o Brasil falava a verdade e a ONG mentia. A bufada, contudo, não sobreviveu ao final do inverno russo. Três meses depois, o autor do relatório brasileiro, o então chefe do DNPM em Minas, Luiz Eduardo Machado de Castro, foi preso pela Polícia Federal sob a acusação de dar cobertura para a máfia do diamante. (Castro, que foi exonerado do cargo, nega envolvimento com a quadrilha e agora responde a processo em liberdade.)

A reserva indígena Roosevelt, citada pela PAC como possível origem das pedras registradas no certificado 64, é mais uma ponta solta no mercado negro de diamantes. Graças a uma formação geológica privilegiada e à eterna cobiça humana, essa área remota de Rondônia, localizada a cerca de 200 quilômetros da fronteira com a Bolívia, passou de refúgio paradisíaco de 1.200 índios a produtora de “diamantes de sangue” made in Brazil.

A região é habitada há séculos pelos índios cintas-largas. Por causa de doenças trazidas pelo homem branco, massacres praticados por seringueiros e avanço de posseiros, em apenas duas décadas (final dos anos 50 a final dos anos 70), a população da tribo diminuiu de 5 mil para mil índios. Em 1979, o governo tentou resolver a situação criando a reserva indígena Roosevelt, com 230 mil hectares. Não foi uma panacéia, mas as coisas começaram a melhorar para o lado dos índios. A tranqüilidade, contudo, durou apenas duas décadas.

Em 1999, um garimpeiro que havia entrado clandestinamente no território dos cintas-largas retornou da selva com as costas repletas de larvas de mosca, um sorriso de orelha a orelha e, na mão, um diamante rosa do tamanho de um cubo de gelo. Estava descoberta a maior mina de diamantes da América do Sul.

A notícia se espalhou rapidamente e, apesar de a mineração em terras indígenas ser considerada ilegal, logo a reserva dos cintas-largas foi invadida por milhares de garimpeiros. Num primeiro momento, os índios entraram na farra, cobrando de cada garimpeiro um pedágio de R$ 10 mil mais uma comissão de 10% sobre os diamantes encontrados. A maioria não pagava. Mas eram tantas as pedras que saíam do solo e elas eram encontradas de maneira tão fácil que, mesmo quando era inevitável a sangria, o negócio valia a pena. Em apenas quatro anos, a reserva dos cintas-largas passou a abrigar uma colônia de cerca de 5 mil garimpeiros. Os forasteiros transformaram grandes porções de selva em aglomerados de minas, barracas, bares e bordéis, onde, com grande chance, as noites podiam acabar em tiroteio e morte.

Com o tempo, os índios desistiram de tentar cobrar pedágio dos garimpeiros e passaram eles próprios a extrair os diamantes dentro da reserva. Os garimpeiros obviamente não gostaram nada do novo quadro, o que agravou a situação. Estima-se que os cintas-largas tenham lucrado US$ 25 milhões por ano com a venda ilegal das pedras no mercado clandestino, deixando atrás de si um rastro de desgraça e devastação.

Em abril de 2004, o problema ganhou as manchetes de todo o mundo quando 29 garimpeiros que trabalhavam ilegalmente dentro da reserva foram mortos pelos cintas-largas a tiros de espingarda e revólver e golpes de bodurna, tacapes e lanças. Dez caciques e guerreiros da tribo foram indiciados por assassinato, mas até hoje o caso não foi a julgamento.

Com o filme queimado no cenário externo, o governo brasileiro finalmente começou a coibir, de maneira mais enérgica, o garimpo ilegal na reserva, tanto o praticado por brancos quanto por índios. Um acordo permitiu aos cintas-largas leiloar seu estoque de diamantes – transação que rendeu mais R$ 717 mil aos índios – sob a condição de que eles abandonassem a extração das pedras. Os índios fingiram aceitar o trato, entregando equipamentos e materiais usados no garimpo, e as autoridades, por sua vez, fingiram acreditar que o problema estava resolvido.

A mentira, contudo, caiu por terra e, de novo, por causa das investigações da PAC. Um ano após a extração de diamantes na reserva Roosevelt ter sido oficialmente extinta, integrantes da ONG foram ao local e descobriram que os cintas-largas não tinham abandonado a atividade. Fazendo-se passar por comerciantes de pedras, investigadores da PAC foram levados à presença de um cacique da tribo. O incauto índio tentou vender aos falsos compradores 250 quilates de diamantes, que foram mostrados durante a negociação. Depois, o cacique ainda tentou convencer os integrantes da ONG a investirem R$ 100 mil na reativação de lavras localizadas dentro da reserva. Para provar que não estava querendo aplicar nenhum golpe, o índio deixou que seus candidatos a parceiro entrassem na reserva e vistoriassem equipamentos já preparados para a retomada da mineração (entre eles, cerca de 15 bombas e motores).

A PAC acredita que a única medida capaz de resolver o problema é legalizar a extração dos diamantes na reserva Roosevelt, sob rígido controle estatal e num formato que contemple os interesses dos índios. “Os órgãos apropriados do governo federal (Funai, Ministério de Minas e Energia e outros) deveriam começar as negociações com os caciques com o objetivo de legalizar a lavra de alguma forma que agrade os cintas-largas”, afirma a ONG.

Não será fácil, entretanto, encontrar uma fórmula que impeça a circulação dos “diamantes de sangue” provenientes da África ou da reserva indígena Roosevelt. O mundo, na verdade, demanda cada vez mais essa pedra de brilho hipnótico. Nos últimos anos, a Índia e a China, no vácuo do boom econômico que acontece nesses países, tornaram-se dois grandes mercados consumidores. O aumento da procura também se dá por outros motivos. Devido à bem-sucedida pressão internacional para flexibilizar o sigilo bancário de paraísos fiscais, criminosos, corruptos e terroristas dos quatro cantos do planeta estão limpando suas contas na Suíça e nas Bahamas e optando por aplicar seus recursos em diamantes. A própria ONU calcula que a indústria ilegal de diamantes movimente por ano cerca de US$ 6,7 trilhões. É mais de 30 vezes o que gira anualmente o mercado negro da cocaína (US$ 200 milhões).

O serviço secreto dos Estados Unidos já avisou às autoridades brasileiras que tem sérias razões para acreditar que, de seu esconderijo nas cavernas localizadas em algum lugar na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão, o terrorista Osama bin Laden tenha negócios com a máfia do diamante que opera a partir do Brasil.

Se o líder da Al Qaeda algum dia vier ao país, ele poderá facilmente vender suas pedrinhas no Hotel Nacional, localizado no Setor Hoteleiro Sul, em Brasília. Pelo saguão do hotel, de forma discreta, circulam compradores e vendedores de vários calibres. Com políticos e autoridades sempre em busca de um refúgio seguro para guardar as economias ganhas em outro mercado, o da corrupção, a feira informal do diamante da capital federal é um mercado inabalável.

Não é de hoje, aliás, que os diamantes movem grandes mutretas em terras brasileiras. Por volta de 1725, quando as pedras foram descobertas no país, o então governador de Minas, Lourenço de Almeida, não avisou à Coroa Portuguesa do maravilhoso feito. Somente dois anos depois é que Lisboa ficou sabendo da novidade. Ao que tudo indica, pela severa advertência que recebeu do rei D. João V, Almeida deve ter lucrado muito com a venda das pedras nesse interregno.

Nos anos seguintes, navios vindos do Rio de Janeiro começaram a chegar aos portos de Portugal com grandes quantidades de diamantes. Estabeleceu-se então uma grande confusão. Como até então a Índia era o único produtor mundial das gemas, acreditou-se que as pedras vindas do Brasil eram, na verdade, diamantes indianos de qualidade inferior. Incapazes num primeiro momento de convencer que as pedras tinham sido extraídas no Brasil e que elas valiam tanto quanto as indianas, os donos dos diamantes começaram então a mandá-los para Goa, no Sul da Índia, de onde posteriormente eram reexportadas para a Europa como gemas de primeira linha.

Agora, pelas mãos dos produtores de Hollywood, o lado B dos diamantes é levado ao conhecimento do grande público. Nas salas de cinema, DiCaprio já não detém o monopólio de fazer verter as lágrimas dos espectadores ao retratar as desgraças cometidas na corrida pelos “diamantes de sangue”. (Ok, eu também chorei, confesso.) Dois documentários recentemente produzidos causam impacto ainda maior que a fita protagonizada pelo galã de Titanic. Blood on the Stone (sangue na pedra), do diretor serra-leonês Sorious Samura, não usa filtros para mostrar como o mercado dos “diamantes de sangue” conecta, simultaneamente, criminosos e vítimas em Nova York e Freetown, capital de Serra Leoa. Neste ano, nos Estados Unidos, estreou Bling: A Planet Rock (Bling: um planeta de pedra), dirigido pela diretora-gata Raquel Cepeda, de Nova York. Na fita, ela mistura a fissura pelos diamantes que toma conta da cena hip-hop norte-americana (bling é a gíria com que a turma se refere às joalherias caras e chiques do país) com o relato de como muitas dessas pedras foram produzidas em Serra Leoa à custa de mutilações e mortes.

Em breve, chegará às telas do Canadá o documentário The Diamond Road (A Rota dos Diamantes), mais uma fita que aborda o impacto da extração e do comércio ilegal das pedras em Serra Leoa. Já deu para perceber que há um poderoso lobby “do bem” por trás do interesse de produtores de cinema em patrocinar filmes que retratem a complexa questão dos “diamantes de sangue”. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, por exemplo, pingou alguns milhares de dólares para inteirar o orçamento de Bling: A Planet Rock. Já a Anistia Internacional fez rasgados elogios ao filme estrelado por Leonardo DiCaprio. Pois é, o cinema também pode ajudar a salvar o planeta.

Para terminar a conversa, uma explicação inútil e em seguida um conselho. A explicação: não, os diamantes não são eternos. Apesar de ter suportado o calor de 3.815º C e de ser o mineral mais duro conhecido até hoje, definhar é o destino de todo carbono – mesmo os poliformos de oito ou 48 faces, como os diamantes. Esse processo, contudo, pode demorar milênios.

Agora, sim, o conselho. Se você faz parte do exclusivo clube dos compradores de jóias fabricadas com diamante, nunca deixe de perguntar ao seu joalheiro qual a política da empresa em relação ao processo Kimberley. Ele deve ser capaz de descrever detalhes relacionados à procedência das pedras e explicar os rigores adotados para garantir que elas não são procedentes de regiões conflagradas. Mas se o joalheiro engasgar ou perguntar se Kimberley é uma nova marca de sapatos, procure outro fornecedor.

Um último aviso. Nunca, em hipótese alguma, embarque na onda fácil do boicote generalizado aos diamantes, sobretudo os da África. Na opinião de grupos envolvidos no combate ao comércio dos “diamantes de sangue”, a medida só teria o feito de penalizar países pobres ou em desenvolvimento que atuam dentro da lei. Só na Índia, por exemplo, o mercado das pedras dá emprego a mais de 1 milhão de trabalhadores. As gemas também são pilares da economia de países como África do Sul, Namíbia e Botsuana, onde não há guerra civil.

Portanto, se o bolso permite e o negócio é feito dentro das normas, nada de culpa ao comprar um brinco, um colar ou um piercing de diamantes. As garotas, penhoradas, agradecem.

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Eles só querem, só pensam em namorar…

Como seria bom se fosse verdade…

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O repórter em cobertura de risco

Num fim de tarde do longínquo ano de 1995, quando cobria no Peru a reeleição do presidente Alberto Fujimori, a pauta do dia me levou a acompanhar uma manifestação de opositores, que protestavam contra as desavergonhadas fraudes ocorridas no pleito. Havia por volta de 500 pessoas, muito inflamadas. O clima era pesado.

Ao chegar à Praça Grau, em frente ao Palácio de Justiça, no centro de Lima, os manifestantes se depararam com uma barreira militar. Não se intimidaram. Munidos de pedras, avançaram. Avancei também, buscando, porém, ficar fora da linha do iminente combate.

Quanto tudo indicava que haveria o clássico embate homem a homem, um tanque de guerra surgiu e avançou sobre a praça, passando por cima de canteiros, indo em direção aos manifestantes. Num átimo, os opositores dispersaram, sendo seguidos pelos militares e pelo tanque. Bombas de gás lacrimogêneo espocavam em todos os lugares, fazendo a praça ficar dentro de uma nuvem.

Já não havia mais duas linhas, uma formada por manifestantes e outra por militares. Embolaram-se. A posição neutra onde eu me encontrara também desaparecera. Nenhum lugar era seguro.

Na confusão, vi colegas estrangeiros tirarem de dentro de suas mochilas coletes a prova de balas e máscaras anti-gás. Os equipamentos traziam em letras garrafais a palavra PRESS.

Eu não tinha nenhum daqueles equipamentos. Na verdade, nunca tinha passado pela minha cabeça que eu poderia precisar deles.

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Em 2004, nove anos depois, em Porto Príncipe, cobrindo os esforços da Força de Paz da ONU para a estabilização do Haiti, tive a oportunidade de acompanhar uma patrulha militar que buscava prender criminosos escondidos na Cité Soleil, maior favela da capital. O comboio era formado por veículos blindados, ladeados por militares fortemente armados. A mim, assim como aos demais jornalistas, sobrou um caminhão aberto. Fomos. Antes, porém, recebemos coletes a prova de balas e os tradicionais capacetes azuis das Forças de Paz da ONU. Perguntei quais os tipos de munição o colete conseguia resistir. Ouvi, aliado, que ele segurava tiros de fuzil.

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A verdadeira lei do silêncio no Paquistão

Quando o presidente do Paquistão, Asif ali Zardari, discursa em praça pública, é melhor fazer silêncio…

(Dica da Agência Pública)

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Ainda pensando em comprar aquele sofá em 12 vezes? Então veja esse vídeo

Se você ainda continua pensando em comprar aquele sofá bacana em 12 prestações, veja este vídeo (legendado em português de Portugal). Trata-se de uma entrevista feita pela BBC com Alessio Rastani, investidor independente. Num rasgo incomum de sinceridade, Rastani afirma, entre outras coisas, que os especuladores como ele estão adorando a crise nas economias da Europa e dos Estados Unidos. Diz ele:

“Se eu vejo uma oportunidade de fazer dinheiro, eu aproveito.”

“A maioria dos traders… nós não nos importamos realmente em consertar a economia. (…) O nosso trabalho é fazer dinheiro a partir disso.”

“Tenho sonhado com esse momento há três anos. Eu tenho de confessar: quando vou para a cama, sonho com uma nova recessão, com outro momento como este”.

“Os governos não mandam no mundo. Quem governa o mundo é a Goldman Sachs”.

A crueza de Rastani levantou a suspeita de que ele seja um ator a serviço de um grupo especializado em pegadinhas. Mas a BBC garantiu oficialmente que Rastani é mesmo um tubarão sem coração e não um piadista.

Uma coisa é certa: Rastani diz a verdade. E, pelo sim pelo não, é melhor começar a desconfiar do que os jornais publicam sobre a crise.

Quanto aquele sofá, esqueça!

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Brasil na ONU

Veja a íntegra do discurso da presidente Dilma Rousseff na abertura da  66ª Assembleia Geral da ONU. Frisou-se muito que era a primeira mulher a abrir a assembleia, mas foi bem mais importante que isso.

Nos últimos anos, o Brasil vem ganhando importância no cenário mundial, em contraste com a profunda crise vivida pelos Estados Unidos. Natural portanto que o mandatário do Brasil, seja lá quem for, seja ouvido com mais atenção.

Devagar, mas de forma sustentável, avança o projeto de garantir ao Brasil um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.  Estejamos prontos portanto: o Brasil, cada vez mais, terá voz ativa na Organização das Nações Unidas e influência  política e econômica no planeta.

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WikiLeaks derrapa na curva

Máscara de Julian Assange, líder do WikiLeaks: "você abusou..."

Dias atrás, o WikiLeaks liberou na íntegra 250 mil documentos de embaixadas norte-americanas. Não se deu ao trabalho de omitir o nome de fontes que alimentam o governo dos EUA com informações sobre violação de direitos humanos. Uma irresponsabilidade.

Pena. Justamente no momento em acabara de se firmar como sinônimo de transparência, o WikiLeaks derrapa feio e põe em risco a vida de pessoas que, independentemente dos motivos, lutam para denunciar a violação de direitos humanos em seus países.

O site Pública, parceiro do WikeLeaks no Brasil, publica um texto a respeito do episódio que mostra como um belo projeto foi maculado pela vaidade de alguns (leia aqui: http://apublica.org/2011/09/wikileaks-a-contagem-final-do-cablegate/?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+apublica%2FnlAs+%28P%C3%BAblica%29).

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A crise na economia mundial traduzida para iniciantes

Se você é daqueles que não consegue entender o aprofundamento da crise na economia norte-americana, o risco de moratória nos EUA, a convulsão econômica que se expande pela Europa, a previsível diminuição do crescimento chinês e a supervalorização do Real, aí vai um conselho. Sabe aquele sofá bacana que você pensa em comprar em 12 prestações. Esqueça.

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Eleição de Humala no Peru é vitória suprema de Lula sobre Chávez

Lula papou Chávez

Mais uma da série “posts que pretendia escrever, mas alguém foi mais rápido que eu”. Desta vez, quem me furou foi Alon Feuerweker, jornalista de boa cepa e um baita analista de política nacional e internacional. Resumo da história: a eleição do outora radical de esquerda Ollanta Humala para a Presidência do Peru e sua conversão ao estilo Lula de governar (ortodoxia na política econômica, mas sem perder o foco no social) significa a pá de cal no modelo bolivariano de Hugo Chávez, ex-guru de Humala (Alon não chega a tanto, mas para mim e também para a revista The Economist este é o sumo da história).

Leia abaixo, a análise de Alon e aqui o link para o artigo da The Economist.

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O sucesso de um modelo

Alon Feuewerker, do Blog do Alon

O modo como o presidente peruano Ollanta Humala chega ao governo é paradigmático de uma estratégia desenvolvida pelo PT no Brasil e agora exportada com sucesso para o vizinho nos Andes.

Moderação econômica, ênfase nos programas sociais e  busca de uma posição não hostil aos Estados Unidos.

Na resultante, a procura de um ambiente estável em prazo suficientemente longo para permitir a consolidação e a capilarização do poder. Com isso, e para isso, isolar a oposição política de suas fontes internas e externas de legitimidade.

Vem funcionando razoavelmente aqui. Funcionará com Humala?

O novo presidente peruano era na origem mais assemelhado a outro líder regional, o venezuelano Hugo Chávez. Na extração militar, nas raízes indígenas e na ideologia, que combina o nacionalismo à etnicidade.

Daí o nome do movimento que o catapultou à política nacional: o etnocacerismo. Uma fusão de nacionalismo militar, central na história moderna do país, e nativismo inca.

Mas o modelo chavista, confrontacional, mostrou-se recentemente algo desvantajoso. Na economia e na política.

Nesta, o ponto de inflexão talvez tenha sido a crise hondurenha, quando o presidente Manuel Zelaya pretendeu romper os limites institucionais e acabou vítima de um vitorioso golpe de estado.

Cujo desfecho se deu pela via pacífica, com a eleição de um sucessor e o último acordo político de reconciliação. O resultado da encrenca acabou por reforçar a posição americana e enfraquecer Chávez, o sócio de Zelaya na aventura que tirou o hondurenho da cadeira.

O Peru é exemplo regional de sucesso econômico, mas o presidente que sai, Alan Garcia, não pôde ou não quis influir decisivamente na própria sucessão. Provavelmente porque planeja voltar mais adiante e não arriscou catapultar uma liderança alternativa no seu próprio campo.

É sempre uma aposta arriscada, mas vai saber?

Humala, que perdera a última disputa para Garcia, venceu agora a filha do ex-presidente Alberto Fujimori, Keiko. O etnocacerista conseguiu atrair um pedaço do voto centrista-conservador, bem expresso no apoio recebido do escritor e Prêmio Nobel Mário Vargas Llosa, liberal convicto e militante.

Humala agitou bem a bandeira antigolpista, antifujimorista, e acabou levando por estreita margem no segundo turno.

Sua receita para obter os recursos necessários à implementação das políticas sociais é aumentar a taxação sobre setores oligopolizados, o mais destacado deles a mineração.

Humala assume num momento de crescentes incertezas econômicas. Talvez não venha a dispor da abundância de capitais externos sobre a qual o Brasil ergueu uma política econômica que, simultaneamente, tem garantido os benefícios sociais aos mais pobres, a remuneração generosa ao capital financeiro e algum controle da inflação.

É possível que o novo presidente peruano talvez precise copiar outro vetor do modelo brasileiro: a desnacionalização maciça, marcada pelo bonito nome de “investimento direto”. O mecanismo de preferência para atrair recursos que permitem o fechamento das nossas contas externas.

Como Humala vai combinar isso com o discurso nacionalista? Nem aqui precisará ser original. O que antes seria a inaceitável entrega das riquezas nacionais aos estrangeiros transformar-se-á rapidamente em sinal de confiança do resto do mundo na economia peruana.

E os opositores, eles próprios defensores dessa próspera alienação, irão dividir-se entre aplaudir e remoer-se de inveja. Estes últimos desperdiçarão tempo e energia cobrando coerência. E serão chamados de ressentidos, de não aceitarem a chegada do povo ao poder.

Assim como toda projeção, esta minha pode ser furada. Mas ela é pelo menos divertida.

Fascista

Culpar os cristãos ou os conservadores pelos atos do maluco de Oslo equivale a criminalizar os muçulmanos pelas ações da Al Qaeda.

Quando alguém aceita lançar mão do conceito de culpa coletiva, permite invariavelmente que a irracionalidade penetre um pouco mais na própria alma.

Fica um pouco mais fascista, em resumo.

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Direitos humanos na publicidade

A Folha de S.Paulo de hoje publica uma imagem sensacional (a primeira abaixo) da campanha da ISHR (International Society for Human Rights) contra chefes de Estado que censuram a internet. Selecionei outra imagem desta campanha e de outras campanhas publicitárias muito espertas na área de direitos humanos. Vejam:

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