Arquivo da categoria: Militares

Ditadura: segredos e silêncios

IMG-9537No #NaJanelaFestival, promovido pela Companhia das Letras em parceria com a Folha de S.Paulo, conversei sobre segredos e silêncios da ditadura civil-militar de 1964 com o jornalista Rubens Valente e a historiadora Maud Chirio, com a mediação do jornalista Fábio Zanini. Assista aqui.

 

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Orvil, o livro secreto do Exército: a gênese do bolsonarismo [2]

Artigo do professor João Cezar de Castro Rocha publicado na Folha de S.Paulo em 9 de agosto de 2020.

 

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Do SNI a ABIN, o Ministério do Silêncio

ABIN_400x400Leia aqui artigo publicado pelo Sul21 sobre meu livro Ministério do Silêncio: a história do serviço secreto de Washington Luís a Lula (1927-2005).

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Orvil, o livro secreto do Exército: a gênese do bolsonarismo [1]

Reportagem publicada pela Folha de S.Paulo em 16 de maio de 2020.

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Bolsonaro tenta evitar destino de alguns de seus antecessores na Presidência: ser sabotado pelos serviços secretos

logo-rectangleAbaixo, reportagem de minha autoria publicada pelo The Intercept_Brasil.

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BOLSONARO COLOCOU O GUARDA-COSTAS NO COMANDO DA ABIN PARA SE PROTEGER DOS ESPIÕES DO GOVERNO

Lucas Figueiredo

NAS ÚLTIMAS SEMANAS, um questionamento se impôs no cenário político: Jair Bolsonaro conseguirá concluir seu governo? Por enquanto, só é possível dizer uma coisa: depende. Depende por exemplo de como se dará a evolução da dinâmica que sincroniza (ou desalinha) movimentos sociais, elites, imprensa e Congresso. Ou, numa outra vertente, depende também do comportamento dos serviços secretos (civil e militares),  órgãos inclinados, como se viu nos últimos 60 anos, à sabotagem de governos por meio de atividades clandestinas. Se essa segunda hipótese vai prosperar, não se sabe. Uma coisa certa, porém: as peças estão no tabuleiro e já começam a ser movimentadas.

Partiu do presidente o gesto mais ostensivo que mostra que o tabuleiro se agita. No início do mês, foi anunciada a troca do diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin. Sai o veterano Janér Tesch Hosken Alvarenga, forjado no famigerado Serviço Nacional de Informações, o SNI, um dos pilares da ditadura civil-militar de 1964-85 – sim, alguns deles ainda continuam por lá. Em seu lugar, entra o delegado da Polícia Federal Alexandre Ramagem Rodrigues, cuja principal credencial é ter sido coordenador da segurança pessoal do então candidato Jair Bolsonaro após o atentado a faca em Juiz de Fora (MG) em setembro de 2018.

Em tempos de fraquejada no estado democrático de direito e de intervenção no cenário político por parte de aparatos estatais das áreas de defesa e de segurança pública, a Abin ganha um caráter ainda mais estratégico no organograma do Estado. Ninguém que trabalha no órgão gosta que se diga, mas ele é o serviço secreto. Resultado de uma transição democrática que começou em 1985 e se perdeu no caminho, o órgão é uma aberração institucional: a rigor, é civil, mas está subordinado aos generais do Gabinete de Segurança Institucional, o GSI (a nova nomenclatura do velho Gabinete Militar). Atua tanto no campo interno quanto no campo externo, um raio de ação gigantesco, coisa impensável nos congêneres de países como Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha.

E, como é da natureza dos serviços secretos em todo o mundo, a Abin se move nas sombras e por caminhos clandestinos (e praticamente sem fiscalização externa).

Nascida de uma costela do Exército em 1956, quando a Guerra Fria começava a entrar em um de seus momentos mais tensos, o serviço secreto civil do Brasil sempre foi tangido pelos militares. A partir de 1994, quando o ingresso no quadro funcional da Abin passou a ser feito exclusivamente por meio de concurso público, surgiu uma nova ala, a dos concursados, majoritariamente civil. Aos poucos, essa ala ganhou alguma força interna, porém até hoje não conseguiu conquistar a direção do órgão, como é sua aspiração.

Militares e concursados abancados na Abin atuam em canais próprios e com interesses muitas vezes divergentes, mas sempre se uniram para sabotar os indicados a diretor-geral do órgão que eram estranhos no ninho. Que o digam Mauro Marcelo de Lima e Silva (delegado da Polícia Civil de São Paulo) e Paulo Lacerda (delegado da Polícia Federal aposentado), até hoje os dois únicos forasteiros que comandaram a Abin, ambos no governo Lula, e que foram demitidos em meio a crises estimuladas artificialmente pelo próprio serviço secreto.

Não é de se estranhar, portanto, conforme apurei, que militares e concursados do condomínio Abin/GSI não tenham gostado de saber que Bolsonaro colocará um delegado da Polícia Federal no comando do serviço secreto.

O presidente certamente sabe do vespeiro em que pode se meter, mas está decidido a ir em frente por um motivo simples: ele acredita que o delegado Rodrigues, até poucos meses atrás responsável por sua segurança pessoal, é o homem mais indicado para protegê-lo da potencial força desestabilizadora do serviço secreto. Uma estratégia arriscada, bem ao estilo Bolsonaro.

O presidente pisa em terreno movediço conforme sugere o histórico dos casos de mandatários sabotados pelos serviços secretos. Juscelino Kubitschek, que criou o serviço secreto civil em 1956 (na época, a repartição respondia pela sigla SFICI, Serviço Federal de Informações e Contra-informação), teve seus telefones sistematicamente grampeados pelo órgão a partir de 1961. Quando o ditador Ernesto Geisel demitiu o radical comandante do Exército Sílvio Frota, em 1977, uma ala do Centro de Informações do Exército, o CIE, cogitou atacar o Palácio do Planalto e chegou a produzir 300 coquetéis molotov.

A ruína moral e política do governo do general João Baptista Figueiredo começou em 1981, quando agentes do CIE e do SNI se meteram no frustrado atentado do Riocentro. Em 1984, o serviço secreto do Exército acionou alguns agentes para armar uma operação de sabotagem da candidatura presidencial de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, mas eles acabaram sendo denunciados por seguranças de uma boate (Monstrengo, Pavão, Pudim, Zé Gatão e Marcão). Quatorze anos depois, o então presidente Fernando Henrique Cardoso se enrolou no caso do grampo do BNDES, quando agentes da seção fluminense da SSI (Subsecretaria de Inteligência, antecessor da Abin) grampearam clandestinamente uma conversa telefônica em que FHC e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, André Lara Resende, faziam acertos nada republicanos em torno da venda da Telebrás (na maior privatização realizada até hoje no Brasil, a empresa foi queimada por R$ 22 bilhões, em preço da época).

Já o primeiro escândalo do governo Lula também contou com o envolvimento dos serviços secretos: em 2003, Waldomiro Diniz, assessor da Casa Civil ligado ao então todo-poderoso ministro da pasta, José Dirceu, foi flagrado por câmeras ocultas em duas ocasiões embaraçosas. Na primeira, pedia propina a um bicheiro; na outra, fazia uma suspeita troca de valises no saguão do aeroporto de Brasília. Os vídeos, providencialmente vazados na imprensa, tinham sido produzidos numa operação da qual haviam participado um informante da Abin e um agente do serviço secreto da Aeronáutica.

A opção de Bolsonaro por botar seu guarda-costas-chefe na direção da Abin pode não ter o efeito esperado, já que o órgão continuará subordinado ao GSI – leia-se, ao general quatro estrelas Augusto Heleno Ribeiro Pereira. Curiosamente, Heleno é um dos poucos militares da cúpula do governo que ainda não se pronunciaram publicamente sobre a disputa escatológica travada pelo escritor Olavo de Carvalho contra a ala militar do Planalto. Carvalho, que prega aos berros o fim da suposta tutela militar sobre o presidente – e o faz com o apoio de Jair, Eduardo e Carlos Bolsonaro – já foi peitado pelos generais Hamilton Mourão (vice-presidente), Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo) e Eduardo Villas Bôas(atual assessor do GSI e ex-comandante do Exército). Heleno, contudo, está calado. Por enquanto.

Caso decidam abrir seu saco de maldades contra Bolsonaro, os militares não contam apenas com a Abin, mas também com os três serviços secretos militares, o Centro de Inteligência da Marinha, o Centro de Inteligência do Exército e o Centro de Inteligência da Aeronáutica. Não seria uma atitude inédita o uso dos serviços secretos militares em ações clandestinas para influir no cenário político em meio a crises. Isso já ocorreu diversas vezes no período pós-ditadura, e não é preciso ir muito longe para citar um caso.

Em 2016, o CIE infiltrou o capitão Willian Pina Botelho em movimentos populares que lutavam contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Fazendo-se passar por ativista, o agente, sob o falso cognome de Balta Nunes, conquistou a confiança de organizadores de protestos de rua e passou a atuar como espião. Por obra do acaso, o militar infiltrado acabou desmascarado num ato anti-impeachment realizado na avenida Paulista, em São Paulo, em setembro daquele ano.

A cúpula do Exército, contudo, não se encabulou. Três meses depois do episódio, mesmo sendo investigado pelo Ministério Público por conta de sua conduta como espião de movimentos sociais, o agente foi promovido a major por ninguém menos que o próprio comandante do Exército na época, Eduardo Villas Bôas – sim, ele mesmo, o general que hoje está lotado no GSI e que trava a batalha pública contra o ideólogo bolsonarista Olavo de Carvalho.

Ao rifar os generais que lhe deram suporte para chegar ao Palácio do Planalto, o presidente parece desconhecer os calcanhares de Aquiles que ele e sua família têm (uma carreira militar salpicada de casos mal explicados, a relação de proximidade com milicianos, uma penca de funcionários fantasmas em gabinetes parlamentares, os “rolos” financeiros milionários do faz-tudo Fabricio Queiroz, a malha subterrânea que opera fake news nas redes sociais etc.). Com a estrutura, o know-how e os contatos que têm, não seria difícil para agentes da Abin ou dos serviços secretos militares levantarem informações que, nas mãos certas, poderiam ser desastrosas para Bolsonaro.

Alheio a tudo, o presidente permanece botando pressão nos militares entrincheirados na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios. Morde muito, mas de vez em quando assopra. No início do mês, ao baixar o polêmico decreto que facilita o porte de armas, Bolsonaro incluiu a Abin na relação de órgãos cujos funcionários contarão com facilidades para andar com revólveres na cintura, uma demanda antiga dos agentes. Na prática, eles não precisam disso. Com apenas uma chave de fenda e os contatos certos, eles já podem causar um bom estrago.

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The Intercept: (Re)militarizada, Abin busca se fortalecer disseminando o medo do terrorismo nas Olimpíadas

The_Intercept_2015_LogoEste é o meu artigo de estreia no portal The Intercept. Aqui, a versão em português, e aqui, em inglês. E aqui um vídeo de 1 min que foi feito para apresentar o artigo.

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Entrevista ao Mondolivro da CBN/BH

c5_47nlO_400x400Ouça aqui a entrevista que Afonso Borges fez comigo sobre meu livro Lugar Nenhum para o programa Mondolivro, da rádio CBN de Belo Horizonte.

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Saiu o livro novo: “LUGAR NENHUM – militares e civis na ocultação dos documentos da ditadura”

Capa Lugar NenhumA Folha de S.Paulo de sexta-feira trouxe reportagem de duas páginas na Ilustrada sobre meu novo livro: Lugar Nenhum: militares e civis na ocultação dos documentos da ditadura. O livro abre a coleção da Companhia das Letras sobre Arquivos da Repressão no Brasil. A coleção é coordena pela historiadora Heloisa Starling (co-autora, junto com Lilia Schwarcz. de Brasil: uma biografia) e terá obras dos jornalistas Rubens Valente e Cláudio Dantas Sequeira e da própria Heloisa.

Abaixo, a reportagem da Folha:

Livro revela pacto entre militares e civis para ocultar arquivos da ditadura

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um pacto de silêncio firmado entre os militares e os governos civis do período da redemocratização tem impedido, desde 1985, que venham à luz os arquivos da repressão – os milhares de papéis microfilmados que poderiam, entre outras informações relevantes, esclarecer o destino de opositores da ditadura tidos na época como “desaparecidos”.

A costura invisível desse acordo é revelada, com argumentação consistente e documentação inédita, pelo jornalista e escritor Lucas Figueiredo em “Lugar Nenhum – Militares e Civis na Ocultação dos Documentos da Ditadura”, livro que inaugura a coleção “Arquivos da Repressão no Brasil”, da Companhia das Letras.

Para o autor, o acerto entre as duas partes, baseado na falsa premissa de que os arquivos foram destruídos numa faxina rotineira e legal, “subverte a própria lógica da democracia, ao permitir que o poder militar negue subordinação ao poder civil”.

“É um corte inédito na historiografia”, disse Figueiredo, que mora há um ano na Suíça, onde terminou de escrever o livro. Realmente, embora a existência dos arquivos tenha sido frequentemente objeto de questionamentos, nunca um trabalho chegou tão perto de cravar a informação de que eles foram e continuam sendo escamoteados.

Roberto Jayme/Folhapress
ORG XMIT: 461801_0.tif O presidente José Sarney (à esq.) condecora Leonidas Pires Gonçalves, seu ministro do Exército, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF). (Brasília (DF), 02.05.1989. Foto: Roberto Jayme/Folhapress)
Sarney (esq.) condecora o gal. Leônidas Pires, seu ministro do Exército e raro militar graduado a admitir que arquivos não haviam sido destruídos

Autor de “Ministério do Silêncio – a História do Serviço Secreto de Washington Luís a Lula” e de “Olho por Olho – Os Livros Secretos da Ditadura”, Figueiredo já tinha familiaridade com o tema.

Sua autoridade deriva sobretudo do trabalho investigativo que teve início em 2012, quando coordenou um reduzido grupo de jornalistas, apelidado de “equipe ninja”, que trabalhou para a Comissão Nacional da Verdade (CNV), mantendo as informações colhidas sob absoluto segredo.

“A partir do momento em que a CNV não utilizou no seu relatório final nenhuma informação da pesquisa sobre a ocultação dos arquivos da ditadura, me pareceu que era realmente necessário escrever esse livro”, disse à Folha.

O material ocultado é vasto. Desde o início dos anos 1970, no auge da repressão à guerrilha, a comunidade de informação militar reunia uma quantidade industrial de pastas individuais. Só no Cenimar (Centro de Informações da Marinha), considerado o mais eficiente dos órgãos de repressão, havia mais de um milhão de páginas microfilmadas em 1973.

Figueiredo aponta evidências de que, apesar dos reiterados pedidos da Justiça e do Ministério Público, os presidentes civis nada fizeram para abrir os arquivos do Exército, Marinha e Aeronáutica.

A política de ocultação começou com José Sarney, o primeiro civil a ocupar a presidência da República, entre 1985 e 1990, depois de duas décadas de ditadura militar. “Carente de base política em um momento delicado da cena nacional, Sarney foi buscar na caserna a sua sustentação”, escreve Figueiredo. “Não seria exagero dizer que o presidente era um refém político das Forças Armadas.”

Os fatos elencados pelo autor demonstram que, no final dos anos 1980, os arquivos não só estavam intactos como foram utilizados para um livro produzido a pedido do general Leônidas Pires Gonçalves, então ministro do Exército de Sarney. Duas décadas mais tarde, em entrevista a Figueiredo, o general diria sobre os arquivos: “Foram queimados coisa nenhuma”.

Os presidentes seguintes mantiveram a “política de gavetas trancadas”. Fernando Collor (1990-1992), embora tenha desmontado o SNI (Serviço Nacional de Informações), permitiu que o órgão que o sucedeu, o Departamento de Inteligência, continuasse sonegando os arquivos. Na gestão de Itamar Franco (1992-1994) também não houve avanços.

O governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) começou bem, mas terminou mal. Em 1995, o Estado reconheceu ter responsabilidade pela morte de opositores do regime antes dados como desaparecidos. Mas, dias antes do fim de sua gestão, FHC baixou um decreto que prolongava o prazo durante o qual os arquivos continuariam protegidos e criava “a inédita figura do sigilo eterno, aplicável para documentos ultrassecretos”. (Em 2012, o decreto seria revogado por Dilma Rousseff.)

Durante o governo Lula (2003-2010), o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, chegou a afirmar ter conhecimento da existência dos arquivos e defendeu que viessem a público. Mas ele foi voto vencido. Prevaleceu a posição do ministro da Defesa, José Viegas Filho, que contava com o apoio do próprio presidente.

Quanto a Dilma Rousseff, representava a grande esperança de que, quase três décadas após o fim da ditadura, os arquivos secretos dos militares fossem finalmente abertos, na avaliação de Figueiredo.

Não é para menos. Trata-se da primeira vítima da tortura a ocupar o Executivo. “Presa em São Paulo em 1970, Dilma foi levada para a temível Oban (Operação Bandeirantes) e torturada durante 22 dias com choques elétricos, pau de arara, socos e palmatória”, lembra Figueiredo. “Após ser condenada pela Justiça Militar, em um processo no qual fora chamada de ‘Joana d’Arc da subversão’, passou quase três anos na cadeia.”

A exemplo de seus antecessores, porém, ela também não enquadrou os militares. “Ao formar seu ministério, Dilma manteve Nelson Jobim no comando da pasta da Defesa, um sinal inequívoco de que não havia grande disposição em obrigar as Forças Armadas a abrir os arquivos da ditadura ou a explicar de maneira convincente sua ausência”, escreve Figueiredo.

Sergio Lima/Folhapress
Brasilia, DF, Brasil, 19-04-2011: 11h20: Presidente Dilma Rousseff e o ministro da Defesa, Nelson Jobim participam no QG do Exercito no Setor Militar Urbano, de solenidade comemorativa ao dia do Exercito e de imposição da comenda da Ordem do Merito Militar. (Foto: Sergio Lima / Folhapress PODER).
A presidente Dilma Rousseff e o ministro da defesa, Nelsom Jobim

“Afinal”, continua, “no segundo mandato de Lula, Jobim tinha feito prevalecer dentro do governo, inclusive perante Dilma, na época ministra-chefe da Casa Civil, a versão dos militares para a suposta destruição generalizada, legal e corriqueira dos arquivos da repressão.”

Para o autor, a confirmação de que a presidente manteria o pacto de silêncio entre civis e militares se deu sete meses após sua posse. “O episódio teve início com uma carta enviada pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos ao novo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em agosto de 2011”, lembra o autor.

“Os familiares partiam de uma premissa inquestionável: se em 1993 as Forças Armadas tinham sido capazes de elaborar relatos individuais sobre vítimas da ditadura, citando fatos ocorridos vinte anos antes, pelo menos até aquela primeira data os militares mantiveram arquivos da repressão.” Diante da constatação, pediram providências, ignoradas pelo governo.

Para Figueiredo, “a cumplicidade de militares e civis na ocultação dos arquivos secretos da ditadura é um entrave para a conclusão do processo de redemocratização”.

Os acervos estão recheados de provas de violações dos direitos humanos. Se parte deles foi destruída, houve uma “megaoperação de eliminação de provas de crime”. Se eles ainda existem, como é mais provável, “o caso passava a ser ocultação de provas”.

Mas por que, afinal, os governos civis teriam aceitado passivamente a posição militar? Para Figueiredo, só há uma resposta possível: conveniência. “É a política da boa vizinhança.”
Índios e empresários

A coleção “Arquivos da Repressão no Brasil” nasceu da colaboração entre jornalistas e historiadores estabelecida durante os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade.

Os jornalistas apuravam as informações que os militares não querem contar e os historiadores faziam os documentos falar, na observação de Heloisa Starling, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, que assessorou a CNV e coordena a coleção.

Os próximos livros, que devem sair no ano que vem, já estão definidos: “Os fuzis e as Flechas”, de Rubens Valente, jornalista da Folha, sobre a situação dos índios sob a ditadura; e “Embaixadores, Gorilas e Mercenários”, de Claudio Dantas Sequeira, sobre os braços da ditadura no exterior.

Mais adiante, a coleção deverá ter um livro sobre a participação dos empresários nos esquemas da repressão, tema que por enquanto só foi explorado por René Armand Dreifuss no clássico “1964 – A Conquista do Estado”.

Em que pese esse trabalho pioneiro, trata-se de um tema a ser enfrentado. “Permanece o silêncio sobre o apoio da sociedade brasileira e, acima de tudo, sobre o papel dos empresários dispostos a participar na gênese da ditadura e na sustentação e financiamento de uma estrutura repressiva muito ampla que materializou sob a forma de política de Estado atos de tortura, assassinato, desaparecimento e sequestro”, diz Heloisa Starling.

A historiadora, que levou a ideia para a Companhia das Letras enquanto escrevia “Brasil, Uma Biografia” em parceria com Lilia Schwarcz, também escreverá um dos volumes.

Ela abordará a maneira como, em vários momentos, os militares romperam a legalidade autoimposta. Defenderá também a tese de que a tortura já era política de Estado depois do golpe de 64, e não apenas depois do AI-5, em 1968, quando se intensificou.

*

LEIA UM TRECHO

“[…] A destruição completa e escancaradamente ilícita dos documentos da repressão talvez tivesse sido entendida pelos militares como uma confissão de culpa. Seria o mesmo que reconhecer para o público externo e sobretudo para o interno que por mais de duas décadas as Forças Armadas agiram ao arrepio da lei. Mais honroso, portanto, seria preservar os arquivos (ou parte deles), tomando o cuidado de mantê-los longe do público, da imprensa, do Ministério Público e da Justiça. Dessa forma, seria possível continuar alegando que, na ditadura, as Forças Armadas apenas cumpriram a lei, combatendo o inimigo que ameaçava a ordem no país. E que, no pós-ditadura, não passam de revanchismo as tentativas de abrir os arquivos militares, seja com o intuito de esclarecer fatos nebulosos do regime, seja para colher subsídios que amparem a busca por justiça nos tribunais. Esse é o discurso de muitos oficiais que estiveram em postos-chaves tanto na época da repressão, como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI/Codi de São Paulo, quanto na redemocratização, como o general Leônidas.”

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Em setembro, “Histórias não contadas” no FHIST

festvalDe 19 a 22 de setembro, acontece em Diamantina (Minas Gerais) o 2º FHIST (Festival de História). Durante quatro dias, sob uma grande tenda armada na praça, historiadores e jornalistas do Brasil e do exterior debaterão com o público temas ligadas à história do Brasil e da América Latina. O tema deste ano do festival é “Histórias não contadas”.

Produzido pela Nota Comunicação e Strategia, o evento tem a parceria do IPHAN, da UEMG, da Biblioteca Nacional, do Projeto República da UFMG, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e da Prefeitura de Diamantina.

Tenho a honra de fazer parte da equipe de curadores do festival, que conta ainda com presença dos professores Sérgio Alcides (UFMG), Júnia Furtado (UFMG) e Wellington de Oliveira (UFVJM) em colaboração com a professora Heloisa Starling (UFMG) e sob a coordenação da professora Pilar Lacerda, ex-secretaria de Ensino Básico do MEC e hoje diretora da Fundação SM.

As mesas que ficarão sob minha curadoria versam sobre o tema ditaduras.

Em breve, anunciarei aqui no blog a programação completa do festival. Já posso adiantar que haverá nomes de peso e muitas surpresas. Aguardem…

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Pausa no livro novo, por uma boa causa: atuar como pesquisador da Comissão Nacional da Verdade

Caros leitores

Por uma nobre causa, deixarei temporariamente de lado o livro que estou escrevendo para atender a uma convocação: fui convidado e aceitei trabalhar como pesquisador da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Implantada pela presidente Dilma Rousseff em maio deste ano, a CNV tem o objetivo de apurar graves violações de Direitos Humanos praticadas por agentes públicos no Brasil com ênfase no período da ditadura militar (1964-85).

A CNV tem dois anos a partir de sua instalação para apresentar um relatório circunstanciado com conclusões e recomendações.

Integram a comissão Paulo Sérgio Pinheiro (presidente da Comissão de Investigação da ONU para a Síria), Gilson Dipp (vice-presidente do STJ), Cláudio Fonteles (ex-procurador-geral da República), José Carlos Dias (ex-ministro da Justiça), Maria Rita Kehl (psicanalista), Rosa Maria Cardoso da Cunha (advogada) e José Paulo Cavalcanti Filho (advogado).

CERIMÔNIA DE INSTALAÇÃO DA CNV – Na primeira fila, da esq. para a dir., os integrantes da CNV: Cláudio Fonteles, José Carlos Dias, Maria Rita Kehl, Rosa Maria Cardoso da Cunha, Paulo Sérgio Pinheiro, José Paulo Cavalcanti Filho e Gilson Dipp. Atrás deles, a presidente Dilma Rousseff e o vice-presidente Michel Temer ladeados pelos presidentes do STF (Carlos Ayres), Câmara (Marco Maia), Senado (José Sarney) e pelos ex-presidentes da República Lula, Fernando Henrique e Collor.

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21/11/2012 · 5:07 PM