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Gregório Duvivier indica a Sergio Moro a leitura da biografia de Tiradentes

 

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Duvivier para Moro: “O Tiradentes”, do Lucas Figueiredo, conta a vida de um herói nacional —aquilo que você imaginou que viria a ser, antes de virar figurante de chanchada (Foto Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Três biografias para Sergio Moro, por Gregorio Duvivier

 

(Folha de S.Paulo, 18/09/2019)

Querido Sergio Moro, vi que você gosta de ler biografias, mas ainda assim não consegue citar nenhuma. Entendo a dificuldade: imagino que esteja muito empenhado tentando salvar a sua. Tomo a liberdade de indicar três obras de não ficção —afinal de ficção já bastam suas sentenças.

“O Tiradentes”, do Lucas Figueiredo, conta a vida de um herói nacional —aquilo que você imaginou que viria a ser, antes de virar figurante de chanchada. Com base em documentos oficiais, Figueiredo perfila esse preso político, único condenado de fato pela conspiração da qual ele era, coincidentemente, o mais desvalido dos integrantes.

Seu advogado Dr. Oliveira Fagundes fez todo o showzinho da defesa e compôs uma peça sólida, ignorada pelo juiz português —que, só se descobriu depois, tinha chegado ao Rio, meses antes, com a sentença já escrita. Tudo, acredite se quiser, se baseava em delações. O primeiro delator, Joaquim Silvério dos Reis, um dos homens mais ricos e endividados da colônia, teve suas dívidas perdoadas —mais ou menos como você perdoou, duas vezes, o doleiro Alberto Youssef.

A corte também fez vista grossa pros conspiradores do Estado, que não eram poucos. Talvez lhe parecerá estranho, mas lembra que você perdoou até o Onyx.

Mas, claro, é preciso ser justo: ele se arrependeu.

Vários foram os juízes que condenaram Tiradentes e, ainda assim, ninguém se lembra do nome de nenhum. Isso pode te servir de consolo. Mesmo orquestrando uma farsa que elegeu o homem que hoje te emprega, existem fortes chances de que a história te esquecerá.

Mas talvez esteja cansado de política brasileira. “Medo”, do Bob Woodward, não é exatamente uma biografia, mas a história das eleições em que um bufão chegou ao poder. À sua volta, todos pensam que poderão usá-lo, sem perceber que legitimaram um autocrata que os descartará na primeira oportunidade.

Deviam ter suspeitado: não há papel mais triste —nem mais ingrato— que o de ajudante de bufão.

Pra terminar, vale ler “Cartas da Prisão”, de Nelson Mandela. A coletânea de cartas publicada pela Todavia conta a história de um líder político que passou 27 anos na prisão após uma condenação. Desculpa o spoiler: o sujeito sai da prisão ainda maior do que entrou, e termina presidente do país que o prendeu.

Ah, não está ali o nome do juiz que o condenou. Ufa.

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Lúcio Flávio Pinto e as agruras de um jornalista combativo

Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal

A perseguição política de que é vítima Lúcio Flávio Pinto, editor do combativo Jornal Pessoal, assume ares de grande gravidade com lances recentes da Justiça envolvendo um antigo processo. Reproduzo abaixo um texto do jornalista em que ele expõe o problema. E faço a seguinte observação: não está em jogo apenas a condenação de Lúcio Flávio, mas a própria liberdade de imprensa.

***

O grileiro vencerá?

LÚCIO FLÁVIO PINTO, editor do Jornal Pessoal

Como já é do conhecimento público, em 1999 escrevi uma matéria no meu Jornal Pessoal denunciando a grilagem de terras praticada pelo empresário Cecílio do Rego Almeida, dono da Construtora C. R. Almeida, uma das maiores empreiteiras do país, com sede em Curitiba, no Paraná. Embora nascido em Óbidos, no Pará, Cecílio se estabeleceu 40 anos antes no Paraná. Fez fortuna com o uso de métodos truculentos. Nada era obstáculo para a sua vontade.

Sem qualquer inibição, ele recorreu a vários ardis para se apropriar de quase cinco milhões de hectares de terras no rico vale do rio Xingu, no Pará, onde ainda subsiste a maior floresta nativa do Estado, na margem direita do rio Amazonas, além de minérios e outros recursos naturais. Onde também está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, para ser a maior do país e a terceira do mundo.

Os 5 milhões de hectares já constituem território bastante para abrigar um país, mas a ambição podia levar o empresário a se apossar de área ainda maior, de 7 milhões de hectares, o equivalente a 8% de todo o Pará, o segundo maior Estado da federação brasileira. Se fosse um Estado, a “Ceciliolândia” seria o 21º maior do Brasil.

Em 1996, na condição de cidadão, atendi a um chamado do advogado Carlos Lamarão Corrêa, diretor do Departamento Jurídico do Iterpa (Instituto de Terras do Pará), e o ajudei a preparar uma ação de anulação e cancelamento dos registros das terras usurpadas por C. R. Almeida, com a cumplicidade da titular do cartório de registro de imóveis de Altamira e a ajuda de advogados inescrupulosos. A ação foi recebida pelo juiz da comarca, Torquato de Alencar, e feita a averbação da advertência de que aquelas terras não podiam ser comercializadas, por estarem sub-judice, passíveis de nulidade.

Os herdeiros do grileiro podem continuar na posse e no usufruto da pilhagem, apesar da decisão, porque a grilagem recebeu decisão favorável dos desembargadores João Alberto Paiva e Maria do Céu Cabral Duarte, do Tribunal de Justiça do Estado. Deve-se salientar que essas foram as únicas decisões favoráveis ao grileiro nas instâncias oficiais, que reformaram a deliberação do juiz de Altamira.

Com o acúmulo de informações sobre o estelionato fundiário, os órgãos públicos ligados à questão foram se manifestando e tomando iniciativas para evitar que o golpe se consumasse. A Polícia Federal comprovou a fraude e só não prendeu o empresário porque ele já tinha mais de 70 anos. O próprio poder judiciário estadual, que perdeu a jurisdição sobre o caso, deslocado para a competência da justiça federal, a partir daí, impulsionado pelo Ministério Público Federal, tomando rumo contrário ao pretendido pelo grileiro, interveio no cartório Moreira, de Altamira, e demitiu todos os serventuários que ali trabalhavam, inclusive a escrivã titular, Eugênia de Freitas, por justa causa.

Carlos Lamarão, um repórter da revista Veja (que chegou a ser mantido em cárcere privado pelo empresário e ameaçado fisicamente) e o vereador Eduardo Modesto, de Altamira, processados na comarca de São Paulo por Cecílio Almeida, foram absolvidos pela justiça paulistana. O juiz observou que essas pessoas, ao invés de serem punidas, mereciam era homenagens por estarem defendendo o patrimônio público, ameaçado de passar ilicitamente para as mãos de um particular.

De toda história, eu acabei sendo o único punido. A ação do empreiteiro contra mim, como as demais, foi proposta no foro de São Paulo. Seus advogados sabiam muito bem que a sede da ação era Belém, onde o Jornal Pessoal circula. Eles queriam deslocar a causa por saberem das minhas dificuldades para manter um representante na capital paulista. A juíza que recebeu o processo, a meu pedido, desaforou a ação para Belém, como tinha que ser. Hoje, revendo o que passei nestes 11 anos de jurisdição da justiça do Pará, tenho que lamentar a mala suerte de não ter ficado mesmo em São Paulo, com todas as dificuldades que tivesse para acompanhar a tramitação do feito.

A justiça de São Paulo foi muito mais atenta à defesa da verdade e da integridade de um bem público ameaçada por um autêntico “pirata fundiário”, do que a justiça do Pará, formada por homens públicos, que deviam zelar pela integridade do patrimônio do Estado contra os aventureiros inescrupulosos e vorazes. Esta expressão, “pirata fundiário”, C. R. Almeida considerou ofensiva à sua dignidade moral e as duas instâncias da justiça paraense sacramentaram como crime, passível de indenização, conforme pediu o controverso empreiteiro.

Mesmo tendo provado tudo que afirmei na primeira matéria e nas que a seguiram, diante da gravidade do tema, fui condenado, graças a outro ardil, montado para que um juiz substituto, em interinidade de fim de semana, pela ausência circunstancial da titular da 1ª vara cível de Belém, sem as condições processuais para sentenciar uma ação de 400 páginas, me condenasse a pagar ao grileiro indenização de 8 mil reais (em valores de então, a serem dramaticamente majorados até a execução da sentença), por ofensa moral.

A sentença foi confirmada pelo tribunal, embora a ação tenha sido abandonada desde que Cecílio do Rego Almeida morreu, em agosto de 2008; mesmo que seus sucessores ou herdeiros não se tenham habilitado; mesmo que o advogado, que continuou a atuar nos autos, não dispusesse de um novo contrato para legalizar sua função; mesmo que o tribunal, várias vezes alertado por mim sobre a deserção, tenha ignorado minhas petições; mesmo que, obrigado a extinguir a minha punibilidade, arquivando o processo, haja finalmente aberto prazo para a habilitação da parte ativa, que ganhou novo prazo depois de perder o primeiro; mesmo que a relatora, confrontada com a argüição da sua suspeição, que suscitei, diante de sua gravosa parcialidade, tenha simplesmente dado um “embargo de gaveta” ao pedido, que lhe incumbia responder de imediato, aceitando-o ou o rejeitando, suspendendo o processo e afastando-se da causa; mesmo que tudo que aleguei ou requeri tenha sido negado, para, ao final, a condenação ser confirmada, num escabroso crime político perpetrado pela maioria dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Pará que atuaram no meu caso, certamente inconformados com críticas e denúncias que tenho feito sobre o TJE nos últimos anos, nenhuma delas desmentida, a maioria delas também completamente ignorada pelos magistrados citados nos artigos. Ao invés de cumprir as obrigações de sua função pública, eles preferem apostar na omissão e na desmemoria da população. E no acerto de contas com o jornalista incômodo.

Depois de enfrentar todas as dificuldades possíveis, meus recursos finalmente subiram a Brasília em dezembro do ano passado. O recurso especial seguiu para o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Ari Pargendler, graças ao agravo de instrumento que impetrei (o Tribunal do Pará rejeitou o primeiro agravo; sobre o segundo já nada mais podia fazer).

Mas o presidente do STJ, em despacho deste dia 7, disponibilizado no dia 10 e a ser publicado no Diário da Justiça do dia 13, negou seguimento ao recurso especial. Alegou erros formais na formação do agravo: “falta cópia do inteiro teor do acórdão recorrido, do inteiro teor do acórdão proferido nos embargos de declaração e do comprovante do pagamento das custas do recurso especial e do porte de retorno e remessa dos autos”.

Recentemente, a justiça brasileira impôs novas regras para o recebimento de agravos, exigindo dos recorrentes muita atenção na formação do instrumento, tantos são os documentos cobrados e as suas características. Podem funcionar como uma armadilha fatal, quando não são atendidas as normas formais do preparo.

A falta de todos os documentos apontada pelo presidente do STJ me causou enorme surpresa. Participei pessoalmente da reunião dos documentos e do pagamento das despesas necessárias, junto com minha advogada, que é também minha prima e atua na questão gratuitamente (ou pró-bono, como preferem os profissionais). Não tenho dinheiro para sustentar uma representação desse porte. Muito menos para arcar com a indenização que me foi imputada, mais uma, na sucessão de processos abertos contra mim pelos que, sendo poderosos, pretendem me calar, por incomodá-los ou prejudicar seus interesses, frequentemente alimentados pelo saque ao patrimônio público.

Desde 1992 já fui processado 33 vezes. Nenhum dos autores dessas ações teve interesse em me mandar uma carta, no exercício de seu legítimo direito de defesa. O Jornal Pessoal publica todas as cartas que lhe são enviadas, mesmo as ofensivas, na íntegra. Também não publicaram matérias contestando as minhas ou, por qualquer via, estabelecendo um debate público, por serem públicos todos os temas por mim abordados. Foram diretamente à justiça, certos de contarem com a cumplicidade daquele tipo de toga que a valente ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, disse esconderem bandidos, para me atar a essa rocha de suplícios, que, às vezes, me faz sentir no papel de um Prometeu amazônico.

Não por coincidência, fui processado pelos desembargadores João Alberto Paiva e Maria do Céu Duarte, o primeiro tendo como seu advogado um ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, à frente de uma das mais conceituadas bancas jurídicas do Distrito Federal. O ex-ministro José Eduardo Alckmin, que também advogava para a C. R. Almeida, veio a Belém para participar de uma audiência que durou cinco minutos. Mas impressionou pela sua presença.

O madeireiro Wandeir dos Reis Costa também me processou. Ele funcionou como fiel depositário de milhares de árvores extraídas ilegalmente da Terra do Meio, que o Ibama apreendeu em Altamira. Embora se declarasse pobre, ele se ofereceu para serrar, embalar e estocar a madeira enquanto não fosse decidido o seu destino. Destino, aliás, antecipado pelo extravio de toras mantidas em confinamento no próprio rio Xingu. Uma sórdida história de mais um ato de pirataria aos recursos naturais da Amazônia, bem disfarçado.

Apesar de todas essas ações e do martírio que elas criaram na minha vida nestes últimos 20 anos, mantenho meu compromisso com a verdade, com o interesse público e com uma melhor sorte para a querida Amazônia, onde nasci. Não gostaria que meus filhos e netos (e todos os filhos e netos do Brasil) se deparassem com espetáculos tão degradantes, como ver milhares de toras de madeira de lei, incluindo o mogno, ameaçado de ser extinto nas florestas nativas amazônicas, nas quais era abundante, sendo arrastadas em jangadas pelos rios por piratas fundiários, como o extinto Cecílio do Rego Almeida. Depois de ter sofrido todo tipo de violência, inclusive a agressão física, sei o que me espera. Mas não desistirei de fazer aquilo que me compete: jornalismo. Algo que os poderes, sobretudo o judiciário do Pará, querem ver extinto, se não puder ser domesticado conforme os interesses dos donos da voz pública.

Vamos tentar examinar o processo e recorrer, sabendo das nossas dificuldades para funcionar na justiça superior de Brasília, onde, como regra, minhas causas sempre foram vencedoras até aqui, mesmo sem representação legal junto aos tribunais do Distrito Federal.

Decidi escrever esta nota não para pressionar alguém nem para extrapolar dos meus direitos. Decisão judicial cumpre-se ou dela se recorre. Se tantos erros formais foram realmente cometidos no preparo do agravo, o que me surpreendeu e chocou, paciência: vou pagar por um erro que impedirá o julgador de apreciar todo meu extenso e profundo direito, demonstrado à exaustão nas centenas de páginas dos autos do processo. Terei que ir atrás da solidariedade dos meus leitores e dos que me apoiam para enfrentar mais um momento difícil na minha carreira de jornalista, com quase meio século de duração. Espero contar com a atenção das pessoas que ainda não desistiram de se empenhar por um país decente.

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A tentativa de censura ao Blog da kikacastro

Antes tarde do que nunca… Reproduzo abaixo a notícia da infame (e mal sucedida) tentativa de censura ao Blog da kikaCastro.

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Tentativa de censura ao blog

Do blog da kikacastro

Voltei da viagem de férias e encontrei uma surpresinha: uma notificação extrajudicial de uma grande empreiteira, a Caparaó, e da construtora Patrimar Engenharia*, pedindo que tirássemos do ar o post “Novo Ataque à Serra do Curral“, dizendo-se caluniadas, e fazendo uma ameaça de processo judicial.

Não é a primeira vez que recebemos ameaças do tipo, embora a outra interpelação tivesse vindo para um post (“Coronelismo no Ministério Público“) do meu blog anterior, o Tamos com Raiva. E parecia mais perigosa, porque partiu de uma juíza federal. Mas respondemos a ela de forma bem serena, mostrando que conhecemos os direitos constitucionais e que esse negócio de retirar post do ar nada mais é do que uma censura moderna. Também inspiramos a solidariedade de muitos, que a registraram num abaixo-assinado. A juíza desistiu de entrar com o processo e o post continua no ar até hoje, como permite a democracia.

É claro que democracia implica responsabilidades e, se houvesse mesmo calúnia ou difamação, teríamos que arcar com o problema. Diz a Caparaó: “Note-se que a matéria em questão, publicada por V. Sa., no blog em epígrafe, contém informações sensacionalistas e apelativas, imputando fatos falsos e infundados e terceiros, ofendendo a reputação, a dignidade e à imagem das NOTIFICANTES” e mais adiante, que “as informações são falsas e deturpadas”, mas não se dá ao trabalho de apontá-las e, muito menos, refutá-las.

Reli atentamente o artigo agora questionado e não encontrei nele nada além de fatos jornalísticos, análise, interpretação e opinião. No dia em que não pudermos mais fazer isso, é hora de rasgar a Constituição e passar o chapéu do Jornalismo, porque ele terá falido de vez.

Nossos leitores podem ler e concluir sozinhos que o artigo que tanto incomoda à Caparaó não extrapola em nenhum momento o bom jornalismo.

A notificação ainda surpreende mais ao dizer que o post foi publicado também em outro blog, chamado Terrorismo Branco, e exigir que a gente exclua o artigo dos dois blogs! Ora, na verdade, diversos blogs republicaram este post, além daquele, sem comunicar ao autor (porque essa é uma prática comum na blogosfera e que a torna tão especial). E, claro, respeitamos o direito de todos eles de manter o post no ar.

Os dois jornalistas notificados pela Caparaó não somos do tipo que escreve só o que os poderosos querem ouvir (como o faz a revista Encontro, que criticamos naquele post). Nem do tipo que abaixa a cabeça na primeira tentativa de coação dos que se sentiram incomodados pela divulgação de certos fatos e análises. Respeitamos nossos leitores e somos apaixonados pela nossa profissão.

Responderemos por aqui aos notificantes e aos seus advogados: se a empresa quiser se manifestar com um novo artigo, com até o mesmo tamanho que o anterior, não nos objetamos de forma alguma a publicá-lo – até porque respeitamos a inteligência do leitor, que pode ler os dois textos e concluir o que quiser.

No entanto, não vamos retirar o artigo do ar de modo algum, porque isso é submissão a uma censura que nunca deveria existir numa democracia e com a qual não concordamos**. E duvido que algum juiz de bom senso também concorde com isso.

* Na primeira versão do post, esqueci de citar a Patrimar Engenharia, que também entrou como notificante, já que as duas são sócias no empreendimento. Corrijo agora, às 15h05.
** Já nos posicionamos contra a censura em diversos momentos. Vejam alguns, no site do Observatório da Imprensa:
O Empastelamento do Novo Jornal
Elucubrações sobre um arrombamento
A censura está onde a gente menos espera
Por uma imprensa sem demônios

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[ARQUIVO DE REPÓRTER] PC Farias – 10 anos depois

Mais um dia mergulhado na escrito do meu próximo livro. Conforme combinado, segue um novo post da série Arquivo de repórter.

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Em 2006, sem que os culpados tivessem sido apontados pela Justiça, completaram-se dez anos do assassinato de Paulo César Farias (ex-tesoureiro da campanha presidencial de Fernando Collor de Mello) e sua namorada, Suzana Marcolino. Como o tema me interessava, viajei a Maceió a fim de investigar o que tinha acontecido aos personagens daquela história e, sobretudo, com montanha de dinheiro arrecadado pelo chamado Esquema PC.

Em razão da pauta, dos personagens envolvidos e dos locais que eu iria visitar, um colaborador local, que ajudava com informações, insistiu para que eu andasse com um segurança. Não recusei. O segurança foi escolhido pela própria fonte: um jovem muito sério, empenhadíssimo e extremamente zeloso.

Na véspera de ir embora, me encontrei novamente com minha fonte para agradecer a indicação do segurança. “O rapaz é realmente muito bom”, disse ela. “Se for preciso, ele cozinha, faz serviço de banco e até cava covas”. Foi o jeito que a fonte encontrou para me falar que o homem que tinha feito a minha segurança era também um assassino de aluguel.

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PC Farias – 10 anos depois

Lucas Figueiredo, para o Estado de Minas e Correio Braziliense (28/05/2005)

A cena do crime

Quem matou Paulo César Farias?E onde foi parar a sobra de dinheiro (pelo menos US$ 100 milhões) do Esquema PC? Essas duas perguntas continuam sem resposta mesmo tendo passado 10 anos do assassinato do ex-tesoureiro da campanha presidencial de Fernando Collor de Mello, ocorrido na madrugada de 23 de junho de 1996. O Estado de Minasvoltou ao local do crime e descobriu pistas – relacionadas à morte e ao dinheiro – que não foram investigadas à época. Uma delas refere – se à milionária movimentação financeira de Augusto Farias logo após a morte de seu irmão. A ascensão de Augusto – que herdou o comando financeiro e político dos Farias – contrasta com a realidade do restante da família, incluindo os filhos de PC (Ingrid, de 26 anos, e Paulinho, de 24).

O Estado de Minasinicia hoje a publicação de uma série de reportagens especiais que mostrarão o destino de parte do dinheiro do Esquema PC. E que revelarão também fatos novos relacionados ao caso da morte de Paulo César e de sua namorada, Suzana Marcolino.

Fortuna multiplicada

O ano de 1996 representou um marco na vida do ex-deputado federal Augusto Farias. Por dois motivos. Primeiro, no mês de junho, seu irmão Paulo César Farias foi morto com um tiro, juntamente com a namorada, Suzana Marcolino. O crime até hoje não foi solucionado. Segundo, porque, também naquele ano, Augusto iniciou uma impressionante escalada financeira. De forma direta e indireta, em pouco mais de três anos, ele adquiriu quatro fazendas no valor de R$ 700 mil, aumentou seu patrimônio visível em quase 200% e ainda recebeu, por meio de uma empresa, R$ 5,8 milhões sem origem identificada.

Paulo César e Suzana

A súbita ascensão patrimonial de Augusto está registrada em documentos, até hoje inéditos, obtidos pela CPI do Narcotráfico no ano 2000. Na época, Augusto era investigado pela comissão. Entretanto, como ele renunciou ao mandato de deputado federal, as informações referentes à quebra de seus sigilos permaneceram engavetadas, não sendo incluídas no relatório final da comissão. São dados bancários e fiscais de Augusto, de assessores dele (como Marcos Maia) e de empresas (como a Tigre Vigilância Patrimonial) apontadas pela CPI como testas-de-ferro do irmão de PC Farias.

O Estado de Minasresgatou esses dados. Em 1996, Augusto e Marcos Maia (“laranja” e principal assessor do irmão de PC Farias, segundo a comissão) possuíam um patrimônio declarado de R$ 292 mil. Dois anos depois, os bens visíveis da dupla somavam R$ 865 mil, o que equivalente a um aumento de 196%.

Valores ainda mais expressivos constam da movimentação financeira da Tigre Vigilância Patrimonial. Aberta em Maceió em abril de 1997 (dez meses após a morte de PC), a Tigre pertence formalmente a Marcos Maia. A CPI, no entanto, concluiu que, de fato, Augusto era o dono da Tigre, dada a quantidade de documentos pessoais dele encontrados na sede empresa, durante uma blitz realizada em conjunto com a Polícia Federal. De 1997 a 1999, segundo os dados da CPI, a Tigre recebeu R$ 5,8 milhões de origem não esclarecida.

Augusto Farias

O EMentrou em contato com Augusto Farias, mas ele se recusou a falar. “A imprensa só faz matéria negativa. Tem de fazer matéria positiva. Um abraço”, disse ele, desligando o telefone. Contatado pelo celular, Marcos Maia se identificou, mas logo em seguida, após ser informado do teor da reportagem, ficou mudo. O EMligou novamente e deixou um recado na secretária eletrônica, mas não obteve resposta.

 

Fazendas e casa na praia

Onze meses depois da morte de seu irmão, Augusto Farias comprou quatro fazendas no município de Santana do Mundaú, na zona da mata de Alagoas. Juntas, as fazendas Samambaia, Catuaba, Gruta Funda e Riacho do Brejo somam 2.345 hectares, o equivalente a 125 estádios do Maracanã. Valor do negócio: R$ 700 mil.

A transação foi feita em nome da Bluarte Peças e Serviços,

que controla a Blumare, concessionária da Fiat em Alagoas que pertence à família Farias. Entretanto, documentos encontrados na sede da Tigre, durante uma blitz da CPI do Narcotráfico e da Polícia Federal, indicam que o real dono das fazendas é Augusto Farias. Entre os documentos, estavam uma proposta de filiação da Associação dos Criadores de Alagoas e notas fiscais de compra de equipamentos agrícolas para a fazenda Samambaia, todos emitidos em nome de Augusto.

O EMesteve na fazenda Samambaia, localizada a 120 quilômetros de Maceió. A propriedade, de 2 mil

hectares, destaca-se na região pela sua criação de gado, segundo pessoas ouvidas pela reportagem.

De fato, Augusto é um produtor de porte. Um ano depois da morte de PC Farias, Augusto vendeu 466 cabeças de gado no período de 19 dias. Logo depois, entre julho e outubro de 1997, vendeu mais 220 vacas.

Na mesma época do assassinato de seu irmão, Augusto deu início à construção de uma casa de 387 metros quadrados na Praia Bonita, município de Barra de São Miguel, a 40 quilômetros da capital. Trata-se de uma das regiões mais valorizadas de Alagoas, em razão da beleza de suas praias e de seu forte apelo turístico.

Relatórios da obra encontrados na sede da Tigre, em que aparece o nome de Augusto, mostram o material gasto na casa entre junho de 1996 (mês em que PC morreu) e setembro daquele ano. A certidão de habite-se da propriedade foi emitida em março de 1998. Corretores de Alagoas consultados pelo EMafirmaram que um imóvel como aquele vale no mínimo R$ 300 mil.

O mistério do dinheiro

Procuram-se US$ 100 milhões. Esta seria a sobra do chamado Esquema PC Farias, cujo destino até hoje permanece ignorado. Apesar do mistério, passados 10 anos da morte de Paulo César, é possível apontar, entre personagens que gravitavam em torno de sua órbita, quem ganhou e quem perdeu dinheiro.

Com exceção de Augusto, a família Farias perdeu. É o que demonstram fatos e revelam pessoas bem informadas em Alagoas. A queda no nível financeiro atingiu até mesmo os dois filhos de PC (Ingrid, de 26 anos, e Paulinho, de 24).

Já testas-de-ferro de Paulo César enriqueceram da noite para o dia, confirmando a suspeita do próprio empresário de que ele teria sido roubado durante o período em que esteve na cadeia (dezembro de 1993 a dezembro de 1995).

Na época dos escândalos que culminaram com o impeachment de Collor, a Polícia Federal calculou que o Esquema PC teria arrecadado, entre 1989 e 1992, US$ 1 bilhão. Desconsiderando possíveis exageros, dificilmente o montante recolhido teria sido menor que US$ 600 milhões. Desse total, segundo investigadores que aturam no caso, foram gastos no máximo US$ 500 milhões nas campanhas eleitorais de 1989 (para presidente da República) e 1990 governadores, deputados e senadores) e em gastos pessoais de Collor, dos Farias e de outros participantes do esquema. Sendo assim, pelo menos US$ 100 milhões teriam desaparecido.

Uma coisa é certa: mesmo sendo dono de apenas parte do dinheiro, PC era quem movimentava quase a totalidade dos recursos.

Quem imaginava que a família Farias ficaria com o dinheiro errou. À exceção de Augusto, o clã deu sinais de ter passado por dificuldades financeiras. O jornal Tribuna de Alagoas, criado por PC a um custo de US$ 5 milhões, teve de ser arrendado. Ironia do destino: foi por causa do jornal que Pedro Collor, sócio do concorrente Gazeta de Alagoas, denunciou o esquema de corrupção que tomava conta do governo de seu irmão.

Sem condições de tocar o jornal, os Farias preferiram arrendá-lo para o usineiro Bob Lyra, um dos homens mais ricos do Estado. Dupla ironia. Bob é aliado do governador Ronaldo Lessa (PDT), principal adversário do PTB, partido de Augusto Farias. Ou seja, o jornal criado por PC ainda pertence a sua família, mas na prática serve a interesses políticos contrários aos dos Farias.

Outra perda da família de PC pode ser verificada naquela que, durante anos, foi o sustentáculo empresarial dos Farias: a Blumare, concessionária da Fiat de Maceió. Por causa das dívidas acumuladas, a empresa teve de ceder cotas a outros grupos empresariais do estado. Hoje, a Blumare ainda é dos Farias, mas a participação da família é bem menor do que já foi no passado.

Os filhos de PC têm um padrão de vida elevado, mas não estão nadando em dinheiro. Após a morte do pai, Ingrid e Paulinho fixaram residência em Maceió e passaram a viver do aluguel da casa de PC, uma mansão com cinco suítes e terreno de 4 mil metros quadrados. O dinheiro, no entanto, não foi bastante para arcar com os elevados gastos dos irmãos. Eles então começaram a alugar a casa de praia onde o pai foi morto, no bairro de Guaxuma, Maceió.

A casa está localizada num terreno privilegiado, mas não tem luxo. Tem três quartos, uma pequena piscina e é feita de madeira. A diária custa R$ 400. Muitos dos que a alugam são jovens de Maceió que buscam um lugar discreto e tranqüilo para namorar. Outra ironia do destino. PC usava a casa justamente para namorar, como fazia com Suzana Marcolino, com quem foi encontrado morto.

Procurada pelo Estado de Minas, Ingri não quis se pronunciar. “Não gosto de falar sobre esse assunto (a morte do pai). Procure meu tio (Augusto Farias)”, disse ela. Augusto, no entanto, também se recusou a fazer comentários.

Quem saiu ganhando foram alguns “laranjas” de PC. Após a morte do empresário, vários deles simplesmente embolsaram dinheiro e ficaram com bens que pertenciam a Paulo César. Meses atrás, a família Farias fez uma reunião para discutir como reaver R$ 3 milhões que teriam sido “incorporados” por um testa-de-ferro de PC que vive na Paraíba. Em rodas de amigos, os Farias não se cansam de reclamar dos “laranjas” que enriqueceram da noite para o dia depois da morte de PC. O próprio Paulo César, poucas horas antes de morrer, já reclamava que estava sendo roubado.

Dias antes de ser assassinado, PC reuniu-se com os argentinos Luís Felipe Ricca e Jorge Osvaldo La Salvia, que apareciam como titulares de contas bancárias do empresário no exterior. No encontro, realizado na casa de praia e na presença de Suzana, Paulo César discutiu com La Salvia por achar que o dinheiro guardado pelo argentino encolhera. Foi o próprio Ricca quem contou o caso a procuradores italianos que investigavam os negócios de PC na Europa. Foram os mesmos procuradores, aliás, que conseguiram congelar duas contas bancárias de Paulo César na Suíça, sendo uma delas em nome de sua mulher, Elma, morta em 1994. Até hoje, o governo brasileiro não fez esforços para reaver o dinheiro dessas contas.

Outro que saiu no lucro foi o braço direito de PC, o piloto Jorge Bandeira de Mello. Depois de cozinhar para Paulo César no período em que ambos passaram foragidos no Paraguai e na Argentina, Bandeira abriu vários negócios, mas acabou se firmando como dono de restaurante.

Pertence a Bandeira o Le Corbu, o restaurante mais requintado de Maceió. O lugar tem decoração moderna e oferece uma excelente cozinha francesa contemporânea. Dez entre dez endinheirados de Maceió freqüentam o restaurante. Às sextasfeiras, os irmãos Farias costumam dividir uma mesa. Foi num desses encontros que eles se queixaram do “laranja” da Paraíba que surrupiou os R$ 3 milhões de PC.

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Que mistérios tem Collor?

Collor, um homem de sorte

A vida tem seus mistérios.

Outro dia, contei aqui o azar que tive com a Justiça de Alagoas quando me meti a investigar os subterrâneos do governo Collor e do Esquema PC Farias (leia o post Paguei minha pena, sou um ex-criminoso).

Hoje, fico sabendo pela Folha de S.Paulo que, com o senador Fernando Collor,acontece justamente o contrário do que foi comigo. Ele tem uma baita sorte com a Justiça de Alagoas (leia abaixo).

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Ex-mulher de Collor cobra R$ 280 mil de pensão

SÍLVIA FREIRE, para a Folha de S.Paulo

A Justiça de Alagoas tenta há dois anos notificar o ex-presidente e senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) sobre uma ação de cobrança de Rosane Malta Collor de Mello, sua ex-mulher.

O oficial de Justiça fez oito tentativas para encontrá-lo em Maceió. Não conseguiu em nenhuma delas.

Rosane cobra do ex-marido –de quem se separou em 2005, após 22 anos de casamento– uma dívida de R$ 280 mil, referente à diferença no valor da pensão paga por Collor durante dois anos.

Em 2007, o Tribunal de Justiça fixou em 30 salários mínimos (R$ 16.350) o valor da pensão. Como Collor pagava até então um valor inferior, Rosane quer agora receber o total retroativo da diferença.

A ex-primeira-dama conseguiu em janeiro que a Justiça bloqueasse um imóvel de Collor como garantia de pagamento, mas a decisão não foi publicada no “Diário Oficial” nem comunicada ao cartório de registro de imóveis.

A defesa de Rosane fez em outubro uma representação na Corregedoria do TJ contra a juíza Nirvana Coêlho, da 27ª Vara Cível, reclamando de demora no andamento da ação.

O advogado de Collor, Fábio Ferrário, disse que o senador mora e trabalha em Brasília e que não poderia mesmo ser encontrado em Maceió. Segundo ele, Rosane não tem do que reclamar, pois a pensão é paga em dia e no valor fixado pela Justiça.

Ferrário disse que não há decisão definitiva da Justiça sobre a existência da dívida.

“Quando ele for citado, vai responder. Se for devido, paga. Se não for devido, vai questionar”, disse.

O gabinete da juíza disse à Folha que não há intenção em atrasar a ação e que a demora se deve ao grande número de ações tramitando.

A assessoria da juíza confirmou que foram feitas diversas tentativas de localizar o senador, em vários de seus endereços em Maceió, mas que o oficial de Justiça não percebeu nenhuma tentativa dele de se eximir da citação.

A assessoria da 27ª Vara disse que foi expedida uma carta precatória para que a Justiça do DF cite o senador.

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Pensamentos imperfeitos

Enquanto isso, na cerimônia de lançamento da centésima edição da Revista Jurídica da Presidência…

GILMAR MENDES, ministro do STF: “Vou fingir que estou lendo a revista para não ter de conversar com a Gleisi. Não gosto dela. Aliás não gosto de ninguém do governo da chefe dela…”

GLEISI HOFFMANN, ministra-chefe da Casa Civil: “A chefe viaja para Cannes e sou eu quem tem de representá-la nesse evento mala. Tomara que o Gilmar continue a ler essa revista e não puxe papo comigo. Não gosto dele. Aliás, no governo, ninguém gosta dele…”

LUÍS INÁCIO ADANS, advogado-geral da União: “Que revista interessante…”

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Paguei minha pena, sou um ex-criminoso

É com grande alegria que anuncio que, desde ontem, estou livre do meu crime, não devo mais nada à Justiça.

Durante quatro anos, paguei o que devia, em cash, na boca do caixa, religiosamente em dia (deveria ter pago em 8 anos e quatro meses, mas consegui quitar algumas prestações adiantado).

Livre, afinal! Tão livre quanto o ex-presidente e hoje senador Fernando Collor. Tão livre quanto todos os corruptos e corruptores do Esquema PC Farias. Tão livre quanto todos eles, com uma exceção: enquanto sou um ex-criminoso, eles são inocentes.

Para quem não conhece a história do processo e da condenação que sofri na Justiça de Alagoas, reproduzo abaixo um texto que escrevi, em junho de 2006, quando me tornei oficialmente um criminoso.

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Eu sou o criminoso do caso PC Farias

Lucas Figueiredo (junho de 2006)

O governo Fernando Collor passou à História como sinônimo de corrupção. Da eleição (1989) ao impeachment (1992), a gangue que ocupou o Poder Executivo naquele período arrecadou US$ 1 bilhão com achaques, mutretas e golpes, segundo cálculos da Polícia Federal. A máquina de roubar ficou conhecida como Esquema PC, uma referência ao nome do tesoureiro da campanha presidencial de Collor, Paulo César Farias.

Como é sabido, com exceção de PC Farias, até hoje nenhum dos integrantes daquele grupo (empresários, políticos e autoridades) foi condenado em última instância pelos crimes cometidos. Collor, por exemplo, foi absolvido de todas as acusações, incluindo a de corrupção (ele cogita se candidatar a deputado federal por Alagoas nas próximas eleições). O próprio Paulo César acabou sendo condenado por dois crimes, digamos, menores: falsidade ideológica (ele abriu contas bancárias com nomes falsos) e evasão de divisas. Só foi parar na cadeia, onde passou dois anos, porque fez a besteira de fugir do país.

O correto, portanto, seria refazer a frase da abertura deste artigo: o governo Collor passou à História como sinônimo de corrupção e também de impunidade.

E a impunidade atravessou os tempos. No dia 23 de junho de 1996, PC foi assassinado na sua casa de praia, em Maceió. O corpo do tesoureiro foi encontrado na cama, ao lado do corpo de sua namorada, Suzana Marcolino, ambos com um tiro de revólver calibre 38. Num primeiro momento, a Polícia Civil de Alagoas divulgou que Suzana teria matado PC e se suicidado. A investigação, no entanto, foi marcada pelas falhas, para dizer o mínimo.

Anos depois, pressionado pelo trabalho de investigação da imprensa, a polícia alagoana mudou sua versão do crime para duplo assassinato. Mesmo assim não foi capaz de dizer quem deu os tiros em PC e Suzana e quem mandou matá-los. Mais uma vez, os criminosos se safaram. E, ao que tudo indica, com muito dinheiro, já que a sobra do butim do Esquema PC nunca foi encontrado.

Esta é a história conhecida. Estou aqui para contar outra: eu sou o criminoso do caso PC Farias.

Comecei a escrever sobre os desmandos do governo Collor quando ainda estava na universidade. Recém-formado, fiz reportagens sobre o declínio do governo e sobre o impeachment. Em Brasília, como repórter, vi em 1994 a absolvição de Collor no Supremo Tribunal Federal. Dois anos depois, cobri em Maceió a morte de Paulo César e Suzana. O caso grudou em mim — e eu grudei no caso.

Nos quatro anos seguintes, dediquei-me a investigar as duas questões centrais do enigma PC/Collor. Ou seja, quem matou Paulo César Farias e onde foi parar o dinheiro do Esquema PC. Voltei a Maceió algumas vezes, e as pistas levantadas acabaram me levando à Itália, à Suíça, à Argentina, aos Estados Unidos e ao Uruguai.

Não fui capaz de responder integralmente os enigmas, mas considero que fiz avanços. Em 1997, por exemplo, expus as ligações do Esquema PC com o crime organizado internacional. No mesmo ano, revelei que o Ministério Público de Alagoas tinha uma gaveta cheia (e fechada) com exames feitos por peritos e legistas independentes que indicavam que PC e Suzana tinham sido mortos por uma terceira pessoa. Outros informações vieram com o tempo, como os dados das contas de PC Farias no exterior, algumas delas ativas mesmo depois de sua morte.

No meio do caminho, como era esperado, esbarrei numa pressão brutal de quem preferia o mistério à luz. Fui ameaçado de morte em Alagoas e escapei de uma arapuca em Houston (Texas), para onde fui atraído por um falso informante.

No ano 2000, o resultado da minha investigação virou um livro: Morcegos Negros: PC Farias, Collor, máfias e a história que o Brasil não conheceu, publicado pela Record. Mesmo tendo passado oito anos do impeachment de Collor e quatro da morte de PC, o livro foi muito bem aceito, vendendo 30 mil exemplares, o que lhe rendeu 14 semanas na lista dos mais vendidos de revista Veja (categoria não-ficção). E foi assim que me tornei um criminoso.

Ainda no ano 2000, o juiz de Alagoas Alberto Jorge Correia de Lima (responsável pelo caso da morte de PC e Suzana) leu Morcegos Negros e não gostou. Ele entrou com um processo por danos morais, em Alagoas, contra mim e contra a editora Record. Na ação, o juiz questionava uma única frase do livro. A frase é a seguinte: “O juiz Alberto Jorge, que só reclamava, resolveu tomar uma atitude e solicitou à Secretaria de Segurança que indicasse um novo delegado para o caso”. Segundo o entendimento do juiz, ao dizer que ele “só reclamava” eu teria afirmado que ela nada fazia. Sendo assim, por vias tortas, eu teria afirmado que ele prevaricara.

A reclamação de Alberto Jorge foi aceita por seus colegas da Justiça de Alagoas, tendo início um processo kafkiano contra mim.

No julgamento de primeira instância, o juiz que analisou o caso não ouviu as minhas testemunhas, entre elas o senador Eduardo Suplicy e o ex-juiz Walter Maierovitch. E acabou por condenar a mim e à Record a pagar 350 salários mínimos, mais custas de advogado (aproximadamente R$ 200 mil, em valores corrigidos, um valor altíssimo para ações dessa natureza).

Tentei recorrer, mas na segunda instância Kafka voltou a atacar. O Tribunal de Justiça de Alagoas confirmou a condenação, mas, descumprindo uma norma sagrada da Justiça, não realizou corretamente a publicação do acórdão, deixando de intimar meu advogado local. Ou seja, fui condenado novamente, e dessa vez não fui avisado.

Morcegos negros: a prova do crime

Ao verificar a falha, no dia 3 de agosto de 2004, entrei com uma petição no TJ de Alagoas comunicando o erro. Na petição, pedi a republicação do acórdão (ou seja, da sentença de condenação em segunda instância), a fim de que fosse aberto o prazo para eu recorrer da decisão. A petição foi recebida pelo tribunal, conforme comprovam duas fontes diferentes: o protocolo do TJ de Alagoas em meu poder e o site do tribunal ( www.tj.al.gov.br ), na seção de consulta a processos.

Além de entrar com a petição, enviei meu advogado, Fernando Quintino, a Maceió. Em audiência com Quintino, o assessor de gabinete do TJ de Alagoas reconheceu o erro e afirmou que a sentença seria então publicada, reabrindo o prazo para que eu recorresse ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. Passados quase dois anos, no entanto, o acórdão não foi republicado.

Em abril passado, meu advogado foi pessoalmente verificar o motivo de tanta demora. Foi quando tomei conhecimento de que minha petição simplesmente havia desaparecido do processo. Quintino folheou todo o processo e também não encontrou nenhum oficio solicitando ao tribunal a republicação do acórdão. Estava assim concluído Der Process: eu e Record éramos culpados.

Sim, eu me sinto perplexo, indignado e impotente diante do ocorrido. Mas ainda assim vejo um fio de coerência em toda essa história: se a gangue que se formou sob a sombra do governo Fernando Collor é inocente, eu só poderia estar mesmo do outro lado.

(Este texto foi reproduzido na íntegra no livro Código da Vida, do ex-ministro Saulo Ramos, na revista Caros Amigos e em diversos sites, como Observatório da Imprensa e Consultor Jurídico. A todos, agradeço penhoradamente o apoio.)

Leia também o post Quem matou PC Farias? Crônica de uma absolvição anunciada

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Ação no Supremo acusa Maluf de desviar US$ 1 bi

Maluf: bandalheira

Sabe o Paulo Maluf, aquele que disse hoje que é só acabar com a bandalheira que sobra dinheiro para a área da saúde? Pois leia a notícia abaixo, também de hoje.

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Ação diz que família Maluf teria enviado mais de US$ 1 bi ao exterior

Jualiano Basile, do Valor

O inquérito que investiga supostos crimes que teriam sido cometidos pelo deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) e por seus familiares envolve mais de US$ 1 bilhão que teriam sido desviados para o exterior. A constatação desse valor foi feita há pouco pelo ministro Ricardo Lewandowski, relator de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal). A Corte julga se aceita a abertura de ação contra o deputado.

“Nessa ação, o prejuízo ao erário chega a quase US$ 1 bilhão”, disse Lewandowski. “A família Maluf movimentou no exterior quantia superior a US$ 900 milhões. Esse valor é superior ao PIB de alguns países como Guiné-Bissau, Granada, Comores, Dominica e São Tomé e Príncipe”, continuou o ministro.

Lewandowski negou a tese apresentada pela defesa de Maluf de que, quando ele era prefeito, entre 1993 e 1996, ainda não havia legislação de lavagem de dinheiro e, portanto, ele não poderia ser processado por isso.

A Lei de Lavagem só foi aprovada em 1998. Mas, para o ministro, “a lavagem de capitais configura crime de natureza permanente”. “Enquanto os bens continuarem escondidos a consumação do delito permanece”, disse.

O relator afirmou ainda que foram encontrados recursos de Maluf e de seus familiares em diversos países. “Os indícios apontam para US$ 200 milhões apenas em Jersey. Estima-se que só na Suíça a família Maluf movimentou nada menos do que US$ 446 milhões. Na Inglaterra, há indícios de movimentação de US$ 145 milhões nas contas da família Maluf.”

Outro fator que chamou a atenção do ministro na ação foi a presença de mais de uma dezena de empresas off shore no processo.

Após Lewandowski concluir seu voto, os demais ministros do STF devem se manifestar a respeito das acusações. Eles podem arquivar o caso ou determinar a abertura de ação contra Maluf.

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defendeu a abertura de ação penal contra Maluf para apurar crimes de formação de quadrilha e de remessa de dinheiro para o exterior.

Segundo Gurgel, apenas a construção da avenida Águas Espraiadas, em São Paulo, teve “o custo absurdo” de R$ 796 milhões ou US$ 600 milhões. “Essa obra foi uma das primeiras fontes utilizadas na lavagem de dinheiro”, continuou o procurador-geral.

Gurgel ressaltou que Maluf e os outros denunciados associaram-se, desde 93, quando ele assumiu a Prefeitura de São Paulo, “de forma estável e permanente com o propósito de cometer crimes de lavagem de ativos”. Além do deputado, são investigados seus parentes, como seu filho Flávio e sua mulher, Sílvia.

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Juizes federais ganham entre R$ 21.766 e R$ 24.117 mas acham que é pouco

No dia 21 de setembro, juízes federais sairão em marcha pelas ruas de Brasília a reivindicar mais segurança para desempenhar suas missões (justo), melhor estrutura de trabalho (correto), políticas de saúde e previdência (hummmm, mais?) e reajuste salarial (eita!).

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) espera que o ato reúna mil pessoas, entre magistrados e promotores.

Hoje, de acordo com o Portal da Justiça Federal, o salário de um juiz federal varia de R$ 21.766 a R$ 24.117.

Sem mais perguntas, meritíssimos…

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O crime e o “crime” da PF

Quem tem medo da algema? Quem tem medo da norma?

Qualquer instituição do Estado precisa respeitar o direito do cidadão. No caso de instituições que podem se valer do uso da força e da coerção, como acontece com a Polícia Federal, essa obrigação é redobrada. Vigiar quem vigia é essencial.

Dito isto, aos fatos.

Ao serem transportados de avião de uma cidade a outra, cidadãos detidos na Operação Voucher, da PF, foram algemados. Alguma ilegalidade nisso? Nenhuma. A súmula vinculante número 11 do Supremo Tribunal Federal determina o seguinte:

“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”

Toda vez que utiliza avião para fazer uma transferência, a PF tem por norma algemar os presos. Nesse caso, fala mais alto a questão da “integridade física própria ou alheia” citada na súmula número 11 (imagine o perigo que seria um preso – pouco importa se inocente ou culpado – entrar em crise emocional e investir contra a tripulação do avião).

Está claro que o problema da Operação Voucher não são as algemas. O “crime” da PF não foi o de constranger cidadãos. Foi o de jogar luz sobre um esquema criminoso –  a imprensa já mostra as “provas contundetes” citadas pela PF – que opera na órbita do PMDB e do PT, principais pilares do governo Dilma (um governo, diga-se de passagem, em permanente crise política devido a escândalos que envolvem suspeita de desvio de dinheiro público).

Sejamos francos. Caso a onda de suspeição que varre o país atinja de forma mais forte o PMDB e o PT, o Brasil certamente sofrerá um solavanco. Será péssimo. A governabilidade será prejudicada, a economia – que já sofre com o sombrio cenário internacional – poderá balançar e todo um ciclo virtuoso ficará comprometido. O que fazer então? A resposta é simples: como no caso das algemas, é preciso apenas seguir as normas.

Que a PF, o Ministério Público e a Justiça tenham total independência para cumprir sua obrigação. Repito: o-b-r-i-g-a-ç-ã-o! E essa obrigação se estende ao Governo Federal (leia-se, Dilma e sua equipe) e ao Congresso (senadores e deputados). O resto é cumplicidade com o crime. E cumplicidade com o crime, crime é.

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