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Quem matou PC Farias? Crônica de uma absolvição anunciada

Esta senhora deve continuar a usar venda nos olhos, mesmo que isso signifique que ninguém seja responsabilizado pela morte de PC Farias e Suzana

O empresário Paulo César Farias foi tesoureiro da bem-sucedida campanha de Fernando Collor de Mello a presidente da República em 1989. Na campanha eleitoral e, depois, nos 2 anos, 9 meses e 14 dias do governo Color, PC pilotou um esquema de corrupção e  achaque que, segundo a Polícia Federal, teria angariado US$ 1 bilhão.

PC foi assassinado com um tiro no peito, juntamente com a namorada, Suzana Marcolino, em sua casa de praia, em Alagoas, 15 anos atrás. Foram acusados pelo duplo homicídio e irão a julgamento ainda neste ano os quatro seguranças do empresário que se revezavam na guarda da casa na madrugada daquele fatídico 23 de junho de 1996 – os policiais militares Adeildo Costa dos Santos, Reinaldo Correia de Lima Filho, Josemar Faustino dos Santos e José Geraldo da Silva (havia um quinto, Rinaldo da Silva Lima, assassinado em 1999).

Podem anotar: todos serão inocentados.

Como registrei há onze anos em Morcegos Negros – PC Farias, Collor, máfias e a história que o Brasil não conheceu, está cientificamente provado, por meio de exames de medicina e perícia,  que PC e Suzana foram mortos por uma terceira pessoa. Mas afinal quem os matou? Qual o(s) nome(s) do(s) mandante(s) e do(s) executor(es)? Talvez nunca se saiba a verdade.

Obviamente, não foi um crime perfeito. Então o que faltou para solucioná-lo? Basicamente, duas coisas:

1)      Num primeiro momento, as instituições alagoanas envolvidos no caso (Polícia Civil, Governo do Estado e Ministério Público) demonstraram uma enorme apatia, desperdiçando o precioso (e irrecuperável) momento da investigação “a quente”. Com isso, provas foram perdidas para sempre. Houve incompetência, para dizer o mínimo.

Anos depois, quando as instituições alagoanas quiseram mostrar serviço, já era tarde. Conseguiram apenas desmontar a tese inicial de homicídio seguido de suicídio (por essa versão, Suzana teria matado PC e depois se matado), ficando assim cabalmente provado que se tratava de um duplo homicídio. Contudo, as instituições alagoanas não lograram apresentar provas que indicassem culpados diretos e indiretos;

2)      Na época do crime, diante da leniência das instituições alagoanas, o governo Fernando Henrique Cardoso poderia ter federalizado o caso. Afinal eram robustas as suspeitas de que se tratava de uma queima de arquivo envolvendo corrupção em nível federal. FHC, contudo, não quis puxar para si o problema, apesar de contar com amparo legal para fazê-lo.

O que resta do caso hoje é apenas uma tese de acusação capenga: se o crime ocorreu em algum dos turnos nos quais os quatro seguranças guardavam a casa  e, em juízo, todos negaram ter visto algo de anormal, então, pela lógica, todos estão envolvidos no crime de alguma forma, seja como executores, seja como cúmplices. Acontece, porém, que nenhum Tribunal do Júri conduzido com responsabilidade condenaria quatro homens por duplo assassinato baseado apenas num exercício de lógica, sem provas.

Uma coisa é demonstrar que os seguranças sabem mais do que dizem; outra é imputar a todos um duplo assassinato.

Pelo princípio basilar do direito (in dubio pro reo), todos os quatro réus devem ser inocentados, já que é possível que haja entre eles um ou mais inocentes. Quando isso acontecer, é bem provável que a opinião pública pragueje contra o Tribunal do Júri, que diga que os jurados foram comprados ou algo assim. Não se pode, contudo, exigir que a justiça seja feita a fórceps depois de 15 anos de manipulações e engodos. Do contrário seria outra coisa, mas não justiça.

Estamos assim condenados a conviver com esse mistério – quem matou PC Farias e Suzana Marcolino? E também com algumas incômodas verdades:

* O(s) assassino(s) de PC Farias e Suzana está(ão) por aí, solto(s);

* O dinheiro roubado no governo Collor pelo chamado Esquema PC nunca será recuperado e continuará bancando criminosos por um bom tempo;

* Corruptos e corruptores ganharam duas vezes. Na primeira vez, com a falta de justiça pela não punição de seus crimes e, depois, com a falta de justiça pela não solução da morte de PC.

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FHC e a descriminalização das drogas: esqueçam o que eu fiz

Nos jornais, nas TVs, no rádio, na internet e, em breve, no cinema… Por toda parte, Fernando Henrique Cardoso está de volta, desta vez a defender de forma corajosa uma proposta polêmica: a descriminalização das drogas.

O raciocínio do ex-presidente é claro. Em todo o planeta, em todos os tempos e em todas as circunstâncias, a guerra contra as drogas fracassou. O ser humano gosta de drogas, lícitas e ilícitas, isso é um fato. E por elas é capaz de subir montanhas e atravessar mares. Sendo impossível combater o consumo, prega FHC, é hora de colocar o problema na esfera da saúde pública e não mais na do crime. Como o consumo não seria mais um ato criminoso, o tráfico e tudo o que gira em torno dele seriam desestimulados (venda ilegal de armas, violência, marginalidade, corrupção, lavagem de dinheiro, crime organizado etc.).

Mas por que nos oito anos em que foi presidente da República e tinha o poder nas mãos Fernando Henrique não lutou por essa idéia? À Folha de S.Paulo, em entrevista publicada ontem, FHC culpou os Estados Unidos. “Naquela época, havia uma enorme pressão americana (…)”, disse. Já para o Fantástico, da TV Globo, o ex-presidente alegou questões de ordem pessoal. “Eu não tinha a consciência que tenho hoje. Segundo, porque eu também achava que a repressão era o caminho.”

Em 1998, por pressão dos EUA, o então presidente Fernando Henrique criou a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad). Além do equivocado termo “antidrogas” – que remetia à “guerra contra as drogas” implantada nos anos 1980 pelo conservador Ronald Reagan para justificar a política intervencionista dos Estados Unidos–, a Senad era subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), um órgão de cultura militar, comandado por um general.

O primeiro secretário Nacional Antidrogas nomeado por FHC foi o ex-juiz Walter Maierovitch, profundo conhecedor da área e adepto de políticas modernas, como a redução de danos e a descriminalização do consumo. Maierovitch, porém, não durou muito no cargo, sendo substituído por um general do Exército, Paulo Roberto Uchoa.

O general Uchoa era contra a descriminalização das drogas, que, segundo ele, acarretaria custos altos de segurança e de saúde pública. Em 2002, na reunião da OEA que discutiu a descriminalização da maconha, Uchoa, como porta-voz do Brasil, detonou a proposta.

Com o general no comando, a questão das drogas dentro da Senad então passou a ser vista estritamente pela ótica militar. Em vez de políticas de redução de danos, a Senad abraçou a fracassada guerra contra as drogas, que faz muito barulho, movimenta muito dinheiro, tem a simpatia da porção mais conservadora da sociedade, mas de fato nada resolve.

Por decisão da presidente Dilma Rousseff, hoje a sigla Senad não abarca mais o termo “antidrogas”, mas sim “políticas sobre drogas. Também não está mais subordinada a um órgão de cultura castrense, mas sim civil (Ministério da Justiça). Duas coisas simples, mas essenciais, que FHC poderia ter feito e não fez.

À Folha, Fernando Henrique confessou que lhe faltou preparo para tratar do tema quando foi presidente: “(…) eu não tinha informação”. E reconheceu seu equívoco. “Meu governo foi isso: ambíguo”.

Ao assumir erros, Fernando Henrique torna-se maior do que já era.

xxx

Atualização: no dia 2 de julho, o general Paulo Roberto Uchoa, citado no post, enviou uma resposta, que publico abaixo, na íntegra:

Caro Lucas Figueiredo
Apenas hoje, 03/07/2011, li seu artigo: “FHC e a descriminalização das drogas: esqueçam o que eu fiz”.
Permita-me retificar algumas informações nele contidas, para que você possa passar a seus leitores a realidade dos fatos.
1) O General Paulo Roberto Uchoa não substituiu o juiz Maierovitch. Durante mais de um ano, o juiz foi substiruido pelo General Alberto Cardoso que acumulou a função de Secretário Nacional Antidrogas com a de Ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Somente em 11 de dezembro de 2001, o Gen Uchoa assumiu as funções de Secretário Nacional.
2) O chavão utilizado para dizer que com Uchoa “no comando, a questão das drogas dentro da Senad então passou a ser vista estritamente pela ótica militar”, não resiste à mais simples pesquisa naquilo que, na realidade, foi o trabalho da SENAD naquele período.
3) É incorreto dizer que a “SENAD abraçou a fracassada guerra contra as drogas”. Uma pequena prova disso foi a participação da SENAD na II Conferência Sobre Liderança em Política de Drogas do Hemisfério Ocidental, realizada em Reston, EUA,em Set 2002. Naquela ocasião o Brasil foi muito aplaudido por manisfestar-se decididamente contra a Política Repressiva norte-americana, ao defender os conceitos estampados na Política Nacional Brasileira e deixando claro que sua linha mestra de trabalho estava voltada para a idéia de que as ações de redução da oferta, de tratamento e as direcionadas ao usuário de drogas, são necessárias, mas já trabalham no universo das consequências. Somente as de prevenção primária – educação, informação, capacitação – atuam antes das drogas agirem, como também só elas têm carater duradouro, isto é, chegam para ficar. “Investir, pois, na mobilização e na capacitação da sociedade para que ela se antecipe ao traficante, eliminando suas vulnerabilidades, possibilita a criação de um escudo protetor que a tornará mais confiante, inclusive proporcionando melhores condições para o êxito das ações de redução da oferta.” E foi por isso que o Presidente Lula, quando assumiu o governo, em Jan 2003, manteve a Política Nacional Antidrogas, que foi realinhada através de um processo democrático (vale a pena conhecer), ao fim do qual, dentre outros aspectos, passou a denominar-se Política Nacional Sobre Drogas, deixando de ser Antidrogas. E isso ocorreu em dezembro de 2004 e, não, por decisão da presidente Dilma, conforme consta de seu artigo. No início do ano em curso, ao transmitir minha função de Secretário Nacional, o fiz com muito orgulho de ser “de Políticas Sobre Drogas”. Não mais “Antidrogas”.
Atenciosamente
Paulo Roberto Yog de Miranda Uchoa
Ex-Secretário Nacional de Políticas Sobre Drogas

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Brasil, santuário de mafiosos

Mais um mafioso italiano foi preso em Fortaleza. Acusado na Itália de envolvimento em três assassinatos e de ser membro da Camorra (máfia napolitana), Francesco Salzano vivia no Brasil há quase um ano. Em Fortaleza fazia-se passar por turista. Morava num flat. “Ele jamais imaginava ser preso”, disse o delegado Thomas Wlassak, representante da Interpol no Ceará.

O mafioso Francesco Salzano

O mafioso, de 38 anos, será extraditado. A máfia italiana, entretanto, continuará operando fortemente no Ceará.Treze anos atrás, ouvi do tenente-coronel italiano Angiolo Pellegrini a seguinte afirmação: “O Brasil se tornou um santuário para os mafiosos”. Era uma frase forte e, pior, dita por quem sabia das coisas. Na época, Pellegrini chefiava a seção calabresa da DIA (Direzione Investigativa Antimafia), órgão do Ministério do Interior. Sua base era um prédio feio de três andares em Reggio Calabria; seus subordinados, agentes especiais que, para cumprir a missão que lhes cabia, trabalhavam à paisana e escondiam seus rostos atrás de gorros ninja. O tenente-coronel Pellegrini viajava com frequência a Brasília. Na bagagem, sempre trazia documentos que indicavam que o Brasil se firmava, cada vez mais, como santuário de mafiosos. Numa dessas viagens, Pellegrini abriu o jogo enquanto comíamos uma picanha sangrando na churrascaria Spettus, na capital federal. “O criminoso vive do poder e da impunidade”, afirmou. “Se a impunidade cresce, cresce o poder. Os mafiosos estão sabendo reconhecer no Brasil um lugar perfeito para atuar; muitos estão se mudando para cá e fazendo negócios fabulosos com dinheiro sujo.”

Para mim, não era exatamente uma novidade o que ele dizia. No ano anterior, eu estevera na Itália investigando os elos da `Ndrangueta (máfia calabresa) com Paulo César Farias (tesoureiro de campanha presidencial do hoje senador Fernando Collor de Mello). Tive acesso aos impressionantes documentos oficiais – comprovantes de transações financeiras – que mostravam a ligação de PC com os mafiosos envolvidos em tráfico de cocaína e lavagem de dinheiro. Em Reggio Calabria, na sede da DIA, escutei gravações de suspeitos que falavam de “negócios” no Rio de Janeiro, em São Paulo e, sobretudo, no Nordeste.

Os mafiosos fincaram suas bandeiras em todo o Nordeste, especialmente no Ceará e em Alagoas. Tráfico de drogas e lavagem de dinheiro (no turismo e no mercado imobiliário) são suas especialidades. Denunciei o avanço da máfia italiana sobre o Nordeste no livro Morcegos Negros – PC Farias, Collor, máfias e a história que o Brasil não conheceu, publicado no ano 2000. Antes de mim, o ex-juiz Wálter Maierovitch já o havia feito, incansavelmente, por intermédio do IBGF (Instituto Brasileiro Giovanni Falcone). No ano passado, a revista Carta Capital registrou o agravamento do fenômeno.

Roma tem feito o que pode para alertar Brasília: toda vez que a Itália aperta o garrote sobre a máfia, muitos de seus membros fogem para locais onde se sentem seguros para continuar operando. Cabe ao Brasil fazer a sua parte.

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