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Domingo, 17 de abril de 2016: uma reflexão sobre o Brasil

bandeira-brasil-rasgada1O que passa na cabeça de um corrupto e de um corruptor? Dorme tranquilo de noite? No restaurante, quando pede ao garçom um vinho de R$ 10 mil reais, sua consciência sussurra algo como “seu luxo é alimentado com dinheiro desviado de escolas, hospitais, estradas”? Ele sofre em algum momento ou é 100% cinismo. O que sente o corrupto?
Nos meus 25 anos de jornalismo, muitas vezes eu me fiz essas perguntas. Tentei ir além, buscando respostas com os corruptos que conheci. Foram vários. Com alguns deles, fontes que cultivei durante anos, cheguei a desfrutar de certa intimidade. Frequentava suas casas, conhecia seus filhos, comíamos à mesma mesa, o que nos permitia, a eles e a mim, falar com mais transparência. Sondei suas almas. Rodei a América do Sul, fui aos Estados Unidos e à Europa para falar com corruptos. Alguns se deixaram revelar parcialmente, porém nunca encontrei uma resposta completa para minhas questões.
Em 1994, no governo Itamar Franco, fiz minha primeira reportagem investigativa sobre corrupção. Um caso clássico: obras superfaturadas do Ministério dos Transportes tocadas por empreiteiras gigantes – Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, entre outras. (Reconhece esses nomes? Pois é…) Perdi as contas de quantas matérias escrevi que citavam essas e outras empreiteiras em episódios de desvio de dinheiro público. Posso nunca ter descoberto o que se passa nos corações e nas mentes dos corruptos, mas, a partir de certo momento, entendi como funcionavam os esquemas que alimentavam corruptos e corruptores.
Na segunda metade da década de 1990, já no governo Fernando Henrique Cardoso, o esquema das grandes empreiteiras estava tão manjado que os corruptos começaram a operar com agências de publicidade. Funcionou – e funcionou bem. Essa história está contada no meu livro O Operador – como (e mando de quem) Marcos Valério irrigou os cofres do PSDB e do PT, publicado dez anos atrás. Como o subtítulo do livro mesmo diz, ali também está contada a história de como o PT,ao chegar ao poder em 2003, se apropriou do esquema de corrupção dos tucanos (o mesmo modus operandi, os mesmos operadores, os mesmos laranjas, os mesmos bancos, os mesmos doleiros, os mesmos corruptores…).
Em matéria de corrupção, portanto, posso dizer que já bati tanto em Chico quanto em Francisco.
Tendo dedicado boa parte da minha atuação profissional às investigações de corrupção, tive um interesse especial pela operação Lava Jato, promovida pelo Ministério Público, pela polícia e pela Justiça federais. Conheço muitos dos personagens envolvidos, alguns deles muito bem aliás.
É inegável que as provas colhidas nas investigações revelam um gigantesco esquema criminoso encabeçado e guiado pelo PT. As bases de sustentação dos governos Lula e Dilma se fartaram com dinheiro grosso desviado da Petrobras. Não há dúvidas: o Partido dos Trabalhadores se corrompeu.
O esquema em que o PT se deliciou, é preciso dizer, não é novo: as empreiteiras, os doleiros e os burocratas são os mesmos que, há décadas, roubam em governos de direita e de centro. Os corruptores não têm ideologia.
Muitos petistas graúdos foram pegos com a boca na botija. Lula foi pego com a boca na botija.
O caso de Lula é, em particular, curioso. Ele cobrava por palestra US$ 200 mil (na cotação de hoje, R$ 704 mil), e sua agenda era cheia. Ou seja, ganhava uma fortuna por meios legais, porém enredou-se numa relação promíscua com grandes empreiteiras. Lula poderia, com o fruto de seu trabalho, ter comprado dezenas de sítios em Atibaia e dezenas de tríplex no Guarujá, mas preferiu render-se a um esquema de “agrados” inaceitáveis.
Lula se corrompeu. E precisa responder por isso na Justiça. (Como eu gostaria de ter uma conversa franca com Lula e ouvir dele uma explicação para ele ter se associado a alguns dos maiores corruptores do país…)
A bem da verdade, porém, é preciso dizer que Lula agiu do mesmo modo que Fernando Henrique Cardoso. Ao deixar a Presidência, FHC também se enredou em num esquema promíscuo com grandes empreiteiras que abarcava favores para membros de sua família e ocultação de patrimônio. Nesse ponto, Lula e FHC são farinha do mesmo saco.
Se é verdade que a Lava Jato mostrou que o Brasil está carcomido pela corrupção, é verdade também que a operação foi (e ainda é) conduzida de forma absolutamente seletiva, portanto viciada. Não é sério um juiz que vaza áudios de grampo em que um investigado que sequer é réu conversa com seu advogado. O nome disso é crime (as comunicações entre advogado e cliente são invioláveis). Não é sério um juiz que vaza o áudio de uma conversa íntima entre a nora de um investigado e um amigo dela, ou o áudio de uma conversa pessoal entre a mulher e o filho de um investigado, conversas que nada tinham a ver com a investigação. O nome disso é perseguição, linchamento moral.
Como juiz, Sérgio Moro se corrompeu. Tornou-se um justiceiro que se considera acima da lei. Assim como Lula, FHC, PT, PSDB, Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez, Moro precisa responder por seus desvios.
A Lava Jato tem outro defeito de origem. Foca apenas a corrupção praticada pela base do governo. É no mínimo escandaloso como as investigações deixam passar batido os corruptos de partidos de oposição. Quem em sã consciência acredita, por exemplo, que a Odebrecht, no mercado desde 1944, só fez parcerias criminosas com o PT e seus aliados? Quem engole a seletiva delação premiada dos executivos da Andrade Gutierrez, que por décadas foram associados ao PSDB e agora só se lembram das falcatruas cometidas no governo do PT?
Na Lava Jato, a PF, o MPF e a Justiça Federal tiveram grande competência ao se debruçarem sobre a corrução do PT, mas fecharam os olhos em relação à oposição. O alvo era Lula, e apenas Lula. Afinal, todos sabemos, Lula era um fortíssimo candidato à eleição presidencial de 2018.
A Lava Jato é uma operação contra a candidatura de Lula em 2018 e não um processo criminal de combate à corrupção. Se fosse diferente, as investigações também teriam como alvo Aécio Neves, citado diversas vezes nas delações premiadas mas jamais investigado.
O que explica que a maioria da população tenha abraçado a sanha anti-corrupção no PT, mas dê de barato as práticas corruptas dos adversários do PT? O que explica o ódio contra Dilma, uma presidente incompetente mas honesta, e a indiferença com o figura de Eduardo Cunha, detentor de contas não declaradas na Suíça, cujos recursos foram congelados por fortes suspeitas de terem sua origem em propinas da Petrobras? Resposta: a ação partidária de boa parte da mídia. De dia, de tarde e de noite, os brasileiros são bombardeados por propaganda anti-petista em jornais, TVs, rádios, revistas e portais da internet. O PT é pintado como um lobo mau cercado de chapeuzinhos vermelhos, vovós e valentes caçadores. A verdade, porém, é outra: não há heróis nessa história.
O nome disso é manipulação.
No campo da corrupção, o PT tem grandes pecados, mas também um mérito. Sob Lula e Dilma, o Estado pode finalmente investigar, denunciar e julgar corruptos e corruptores. Parafraseando Lula, nunca antes na história desse país isso tinha acontecido. O PT se corrompeu, è vero, mas nunca deixou de ser um partido republicano, nunca enquadrou a Polícia Federal, nunca calou o Ministério Público. Já os que querem o lugar do PT também se corromperam, mas nada tiveram de republicanos. Alguém imaginaria, por exemplo, que o procurador-geral da República de Lula ou de Dilma fosse chamada todo dia pela imprensa de “engavetador-geral da República”? Isso aconteceu com Fernando Henrique Cardoso. Alguém imaginaria numa administração do PT a existência de um esquema de mordaça do Ministério Público e da imprensa que impedisse o vazamento de qualquer notícia ruim. Isso aconteceu nos oito anos em que o tucano Aécio Neves governou Minas Gerais.
Hipocrisia é o nome do gesto dos que hoje manobram para tomar o poder do PT.
O que vamos assistir neste domingo nada tem a ver com a luta contra a corrupção. Trata-se da luta pelo poder – no caso da oposição, da luta dos que sempre estiveram envolvidos na corrupção, dos que nunca permitiram que a corrução fosse investigada, dos que não tiveram votos suficientes para serem eleitos em 2002, 2006, 2010 e 2014 e agora querem pegar um atalho na história para voltar ao Palácio do Planalto, e obviamente continuar operando com seus esquemas de corrupção.
E a presidente Dilma Rousseff? Qual o seu lugar nessa história? Bom, ela de fato se revelou de uma incompetência administrativa e de uma falta de compreensão da política ímpares. Dilma é uma péssima presidente. Porém, não há um único indício sequer, que dirá uma prova, de que ela seja corrupta. Entendo e me solidarizo com aqueles que contam os dias para que seu governo acabe. Porém, não posso aceitar que seu mandato seja interrompido antes do tempo regulamentar sem que haja prova de que ela tenha comedido crime de responsabilidade, condição cabal para o impeachment.
O impeachment é um instrumento radical. Tem potencial para deixar traumas políticos duradouros. Existe para casos extremos. E exige um motivo concreto: crime de responsabilidade. Em 1992, Fernando Collor sofreu impeachment porque cometeu crime de responsabilidade. Na época, descobriu-se que a reforma da casa que pertencia a ele e um carro de seu uso pessoal haviam sido pagos com dinheiro de fraude. Os recursos tinham saída de uma conta bancária aberta em nome de um “fantasma”, ou seja, uma pessoa que não existia. O nome disso é falsidade ideológica, ocultação de patrimônio, lavagem de dinheiro. É crime de responsabilidade. Já as pedaladas fiscais de Dilma (um recurso contábil ignóbil que é adotado como regra na administração púbica de A a Z no espectro político) pode ser considerado um desvio administrativo, mas nunca um crime de responsabilidade. Dilma é um desastre, mas, pelo que se viu até agora, depois de remexidas as entranhas de seu governo, não é corrupta. E se não é corrupta, se não cometeu crime de responsabilidade, o processo de impeachment é indevido. Em outras palavras, golpe de estado.
Há 31 anos, quando terminou a ditadura civil-militar, iniciamos um penoso período de transição democrática. Encontramo-nos ainda nesse período. Saímos da ditadura, mas ainda não alcançamos a democracia plena. Estamos em algum lugar entre uma coisa e outra. Muitos fatores impediram que terminássemos a viagem. Contudo, até pouco tempo atrás, pelo menos podíamos dizer que estávamos no caminho.
Neste domingo, 17 de abril de 2016, caso a Câmara dos Deputados aprove o início do processo de impeachment de Dilma sem que ela tenha cometido crime de responsabilidade, estaremos finalmente terminando a transição democrática. Não para conquistar a democracia plena, mas para voltar ao passado. Em todos os sentidos.
Michel Temer será um presidente sem legitimidade, terá chegado ao poder por meio de trapaça nas regras do jogo. E que ninguém se iluda: a corrupção continuará a grassar, pois os patrocinadores do impeachment, seja no campo dos que agora desembarcam do governo, seja no campo da oposição, são profissionais no desvio de verbas públicas.
O nome do impeachment é golpe de estado.
Neste domingo, o que está em jogo não é o combate à corrupção, mas sim a frágil democracia do Brasil.

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Cuspa, bata, esfole, mate… ajude a construir um novo Brasil

Constantino

Constantino, o de bermuda americanizada, treina para abater seu alvo

Rodrigo Constantino, colunista do jornal O Globo e ex-colunista da revista Veja, divulgou em seu blog uma lista negra com os nomes de 767 “petralhas” que seriam “cúmplices dos golpistas” Em seguida, conclamou seus leitores:

“Boicote nos vagabundos, gente! Sem dó nem piedade. Eles querem transformar o Brasil numa Venezuela, num Cubão. Eles são comparsas dos bandidos que tomaram Brasília de assalto e atentam contra nossa democracia. Não comprem nada deles! Não leiam suas colunas! Não frequentem seus shows e peças. É boicote geral a petralha!”

Meu nome está entre os 767 condenados por esse novo macarthismo que vai perigosamente conquistando mentes e corações no Brasil.

Não estranhei meu nome estar na lista, apesar de, em 25 anos de jornalismo, ter me dedicado à denúncia sistemática da corrupção – de esquerda, centro e direita.

Meu nome está na lista porque sempre defendi o Estado Democrático de Direito. E sempre acreditei que o autoritarismo (ou o flerte com o autoritarismo) deveria ser denunciado. Continuo acreditando.

Talvez, daqui a pouco alguém proponha que os indicados na lista negra de Constantino sejamos obrigados a andar com uma estrela bordada na camisa. Só para que fique claro para todos quem somos nós.

O ovo da serpente está chocando.

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Brasília amarela (e azul, verde, vermelha…)

Ontem à noite, o Congresso e os ministérios receberam iluminação especial para divulgar a campanha contra a Aids. Lindo, não?

 

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No Brasil, até passeata acaba em carnaval

Protestar, sempre. Perder o humor, jamais!

Hoje, em Brasília, uma caminhada na Esplanada dos Ministérios marcou a abertura da 14ª Conferência Nacional de Saúde. O tema desta edição é o SUS.

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Isto é Brasília (3)

Cena de hoje: como parte de uma manifestação política, índios Pataxó dançam no salão verde da Câmara dos Deputados.

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O humor abutre do programa Pânico (II)

Homer Simpson só é engraçado no desenho. Na vida real, é um atraso

Ontem, dois textos do blog – O humor abutre do programa Pânico e Com “jornalismo justiceiro”, CQC desrespeita Renan Calheiros e o Senado – mereceram quase trinta comentários dos leitores. A maioria, de aprovação. Uma parcela significativa, porém, era de contestação, na verdade de raivosa contestação (“Hipócrita”, “falso moralista”, “advogado do diabo”, “esse blog é um lixo” e alguns outros impublicáveis, que, por descambarem para um palavreado chulo, acabaram vetados).

Essa é lógica que mantém no ar a baixaria na TV. Uma parcela do público vive uma verdadeira catarse ao ver, na telinha, políticos serem humilhados ou jankies como Amy Winehouse serem enxovalhadas. “Politicada não merece respeito”, escreveu Felipe. A morte de uma drogada “é engraçada”, opinou um leitor anônimo. É o mesmo público que replica o preconceito contra gays, muçulmanos, obesos e outros tipos “anormais”.

Continuo acreditando que, independentemente de quem seja o defunto, um funeral não é o evento apropriado para se aplicar pegadinhas. E o Senado, mesmo que esteja infestado de gente como Renan Calheiros e José Sarney, é uma instituição que merece respeito e não um palco para stand-ups.

É triste ver os espertos da TV baixarem o nível para faturar uma grana alta. Mas é mais triste ainda ver que isso só acontece porque, do outro lado da tela, no sofá, uma parcela da sociedade a-d-o-r-a consumir detrito preconceituoso.

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Blog em férias

Caros leitores

Faço uma pausa no blog para um breve período de férias. Estarei de volta no dia 25 de julho, segunda-feira.

E como férias combinam com viagem e passeios de carro, assistam abaixo o vídeo mais bonito e mais sensível feito até hoje em defesa do uso do cinto de segurança (dica do Marco Lacerda).

Até a volta!

Lucas Figueiredo

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Domingo, dance uma valsa em homenagem à diversidade e à tolerância

Esta é para quem estará em São Paulo no próximo domingo, 26. Vá até a avenida Paulista e, às 13h30, quando tocar o Danúbio Azul, dance uma valsa com quem estiver ao seu lado para comemorar os 15 anos da Parada LGBT. Veja o vídeo abaixo e vá entrando no clima.

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Brasília: só love (II)

O projeto Futebol Social promove a inclusão de jovens de comunidades carentes. Nesta etapa, a sede do campeonato é Brasília, que recebe mais de 200 garotos e garotas aspirantes a atletas, de vários Estados. Nas fotos abaixo, feitas hoje, os times femininos do Distrito Federal e do Rio de Janeiro disputam uma vaga na final sob o olhar “parceiro” do padrinho da competição, Romário (PSB-RJ), deputado federal revelação desta legislatura.

Brasília é mesmo uma caixinha de surpresas.

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Só é politicamente cego quem não quer exercer a cidadania (2)

Outro dia, o blog mostrou deficientes visuais visitando, pelas pontas dos dedos, o Salão Verde da Câmara dos Deputados. Hoje, também na Câmara, dentro do projeto Brasília Tátil, crianças sem problemas de visão vendaram os olhos e repetiram o gesto. Uma forma lúdica de aproximar portadores e não portadores de deficiência física.

 

 

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