O Brasil do “coronel Fancoil”

Jornalistas e militares riem juntos no Palácio do Planalto. E isso é uma coisa muito séria.

No andar térreo do Palácio do Planalto, há uma grande sala com piso de mármore branco onde a presidente Dilma Roussef não manda. Lá fica o comitê de imprensa, onde trabalham repórteres e fotógrafos dos principais veículos de comunicação do país e alguns do exterior. O ritmo é de pronto-socorro. Havendo notícia, trabalha-se. E, quando não há o que relatar, a turma coça.

Quando o segundo cenário prevalece, além de coçar, os jornalistas procuram inventar algo para espantar o tédio. Mas se tem um jornalista calouro no pedaço, nem é preciso procurar passatempo. De uns anos para cá, reza a tradição que todo novato deve ser submetido ao trote do “coronel Fancoil”.

No corredor que separa o comitê de imprensa dos banheiros, há um cômodo sempre fechado com uma placa na porta escrita “Fancoil”. Lá dentro, fica o ar-condicionado central do andar, mas os novatos não sabem disso. E por não conhecerem essa informação aparentemente irrelevante, acabam por fazer as tardes de fastio no comitê de imprensa ganharem alguma graça.

O primeiro passo do trote é fazer chegar ao calouro a notícia de que está para acontecer no palácio um evento político muito importante, algo de uma relevância tal que requer um credenciamento especial. O calouro então é informado de que deve pegar a credencial com o “coronel Fancoil”, cujo gabinete é indicado com uma placa na porta. Agora a cereja do trote: como o “coronel Fancoil” é quase surdo, o novato precisa bater na porta com força e gritar o nome do coronel. É batata! O repórter ou fotógrafo estreante esmurra a porta e grita “CORONEL FANCOIIIIIIIIIIIIL” por alguns intermináveis segundos e só percebem que está pagando mico quando o comitê de imprensa explode numa risada.

Não faz muito tempo, o Palácio do Planalto não era exatamente um bom lugar para brincadeiras envolvendo militares. Não à toa, mesmo depois da ditadura, jornalistas continuaram alimentando um certo temor pelas casacas verde-oliva cravejadas de estrelas douradas – e na sede do Executivo elas estão por toda a parte. O medo, contudo, passou.

Do lado de lá do balcão, a mudança também é perceptível. Nos últimos anos, vi coronéis se dobrando às gargalhadas no Palácio do Planalto com o trote do colega “Fancoil”. Naquele prédio desenhado por Oscar Niemeyer, há de fato algo novo no ar. Na despedida de Luiz Inácio Lula da Silva no Planalto, no ano passado, vi militares de alta patente, e não foram poucos, chorando igual criança porque o “chefe” ia embora. Não custa lembrar que o tal “chefe” foi, durante décadas, o inimigo público número um da caserna, o diabo em forma de candidato.

Dilma é outro caso revelador. A ex-guerrilheira atrai simpatias e antipatias entre os militares do Palácio do Planalto, como é natural. Mas todos, sem exceção, obedecem a hierarquia e rendem obediência àquele que é a comandante-em-chefe das Forças Armadas.

Hoje, jornalistas, militares e ex-guerrilheiros podemos até rir, todos juntos, do trote do “coronel Fancoil”. A evolução de uma sociedade às vezes se esconde nos detalhes.

3 Comentários

Arquivado em Histórias de repórter, Militares, Política

3 Respostas para “O Brasil do “coronel Fancoil”

  1. Valdir Fraga Junior

    “Vivendo e aprendendo”.

  2. eymard

    Lucas, adorei a historia (apesar de que, a partir de agora, eles vao ter que mudar o trote – salvo se o novato for, tão novato, que não leia seu blog – rs). Voce, por acaso, já leu o excelente “O punho e a renda” do Edgard Telles Ribeiro? Li e gostei muito. Além da elegancia da escrita, o texto é envolvente e inteligente. Essa sua história me lembrou esse livro. abs, eymard.

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