Há nove anos, uma bomba relógio faz tic tac na ante-sala do gabinete da Presidência da República: a mobilização parasindical de agentes secretos da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) insatisfeitos com os rumos da instituição.
O então presidente Fernando Henrique Cardoso, em final de mandato, fingiu não ver a bomba (e repare que ele tinha motivos para temer a explosão, já que um dos maiores abalos de seu governo ocorreu por conta de uma operação criminosa – o grampo do BNDES – da qual fizeram parte servidores graduados do serviço secreto.
Veio então Lula, que passou oito anos sem nada fazer, mesmo ouvindo o tic tac aumentar a cada dia (nesse período, a bomba chegou a soltar fumaça duas vezes, quando agentes de inteligência da Aeronáutica e da Abin, oficiais e free-lancer, gravaram em vídeo cenas explícitas de descaminho de Waldomiro Diniz, então assessor da Casa Civil, e Maurício Marinho, chefe do Departamento de Compras e Contratações dos Correios).
Desde que se sentou na cadeira mais alta do Palácio do Planalto, Dilma tem ouvido o tic tac. A cadência do som está mais rápida agora. Colaboradores da presidente – no Executivo, no Legislativo e também no Judiciário – que acompanham tensos a aventura sabem que ela só tem duas alternativas: cortar o fio vermelho da bomba (ou seja, esmagar o movimento dos agentes secretos) ou romper o fio verde (atender as reivindicações da categoria e promover mudanças radicais na Abin). Dilma vai cortar o fio vermelho ou o verde? Antes que ela tome alguma decisão, a bomba vai explodir?
O movimento dos agentes secretos começou em 2002, quando foi fundada a Asbin (Associação de Servidores da Abin). Pela primeira vez então, a categoria saiu das sombras e passou a expressar publicamente seus anseios e insatisfações – o serviço secreto começava enfim a expor ele mesmo os cancros adquiridos em 75 anos de um arcabouço jurídico-institucional desastroso. Expressar publicamente é modo de dizer, pois o que a Asbin fez foi bater o bumbo e tocar o trombone, sobretudo por meio de seu presidente, Nery Kluwe de Aguiar Filho. Entre outras, a associação denunciou a falta de um plano de carreira para a categoria, denunciou os baixos salários, denunciou a falta de norte para as ações do serviço secreto e denunciou que a Abin, apesar de ser um órgão civil, operava sob tutela militar, subordinada que era (e ainda é) ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI, sigla nova da antiga Casa Militar). Em pouco tempo, aconteceu o previsível: a Asbin entrou em rota de colisão com o GSI e com sucessivas administrações da Abin.
Quando Kluwe começou a falar em fundar um sindicato de agentes secretos, o GSI resolveu agir. No ano passado, o agente foi demitido, e a Asbin, enquadrada. O serviço secreto, bem como os anseios e queixas (justos ou não) de seus agentes, voltaram então a ser secretos. Não durou muito tempo.
Ainda em 2010, um novo movimento parasindical começou a ser gestado na Abin, dessa vez liderado por uma novíssima safra de agentes, oriundos dos concursos públicos de 2000, 2004 e 2008. Diferentemente da Asbin, a nova entidade – Aofi (Associação Nacional dos Oficiais de Inteligência) – não representa os servidores administrativos do serviço secreto, mas apenas os chamados “oficiais” (analistas e agentes de campo), ou seja, o pessoal envolvido com a atividade fim da área de inteligência. Mesmo operando na semi-clandestinidade (os nomes de seus diretores não são públicos), a Aofi diz agregar 170 dos cerca de 650 oficiais da Abin (um quarto do efetivo).
A Aofi mostrou a cara no mês passado (tic tac), quando conseguiu que uma comitiva fosse recebida em audiência oficial no Gabinete da Presidência da República. Sem rodeios, a Aofi apresentou uma carta à presidente Dilma dizendo com todas as letras que seus filiados não desejam que a Abin permaneça subordinada ao GSI do general José Elito Carvalho. (Sim, é verdade que os agentes passaram por cima de seu superior hierárquico, o GSI, mas é verdade também que o Gabinete da Presidência se dispôs a recebê-los mesmo sabendo que iriam passar por cima do GSI.)
O blog conversou com um dos diretores da Aofi, que pediu que seu nome ficasse no anonimato. Ele disse que foram muito bem tratados no Palácio do Planalto, ainda que com certo despreparo em relação ao tema tratado – o possível redesenho da área de inteligência – por parte do interlocutor da Presidência. Ao blog, o diretor da Aofi reforçou a intenção da entidade em lutar pelo rompimento da subordinação da Abin ao GSI e anunciou outras duas reivindicações: o fim do monitoramento dos movimentos sociais por parte da Abin, resquício dos tempos do famigerado Serviço Nacional de Informações (SNI), e o estabelecimento de limites palpáveis para os agentes que atuam na ponta final da atividade de inteligência, que hoje estão à mercê do bom senso (ou da falta dele) de seus superiores. O diretor da Aofi afirmou ao blog ter consciência de que ele e seus colegas serão perseguidos pelo GSI. Disse também que não pretendem recuar.
De fato, é pouco provável que o general Elito assista o motim com sua espada na bainha. Elito não é Félix, seu cordial antecessor. Ao contrário: é centralizador, duro e de inegável competência executiva. Prova disso é que, desde que tomou posse, o general vem dando uma chave de perna na Abin. Exige ler os relatórios de inteligência antes de eles subirem ao gabinete de Dilma, questiona os estudos de cenários em andamento e chama para si até questões menores, como a emissão de passagens aéreas. Conclusão: ressabiada com o entusiasmo funcional do GSI, a Abin, que já não era nenhuma Brastemp, travou.
A situação é delicada. Por lei, a Abin é de fato subordinada ao GSI, e portanto os agentes devem obediência ao general. Mas a lei é um equívoco, já que a Abin é um órgão civil e o GSI tem alma militar. O que fará Dilma? Enquadrar os agentes secretos em nome da hierarquia? Ou mudar a lei para remover um entulho autoritário, corroborando assim o levante dos agentes secretos? Tic tac, tic tac, tic tac…
P.S. Hoje, o Planalto deixou vazar uma notícia vaga: Dilma vai reformular a área de inteligência. Já ouvi isso em outros tempos de crise na Abin e nada foi feito. Se for verdade que a reforma virá realmente desta vez, falta o Planalto apontar qual será a sua direção.
Infelizmente, os servidores da Abin – cada vez mais novos e mais interessados em seus ordenados do que na segurança do país – estão se preocupando mais com intrigas pessoais, perseguições e disputas que giram em torno de vaidade do que com tudo o que engliba um serviço de inteligência. Conheço agentes que morreriam pelo Brasil, se necessário fosse. Em contrapartida, conheço agentes “carreiristas”, que apenas se preocupam em se dar bem com a chefia em Brasília. Existem, inclusive, casos de servidores que tem a capacidade de armar para derrubarem e desmoralizarem outros agentes; agentes inaptos para a função (mas que são concursados), e a lista segue, extensa e triste de se ler. Acredito que a Abin precisa, antes de mais nada, testar a lealdade de seus agentes à Pátria.
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O Brasil, entende-se brasileiros, não leva a Inteligência, e o quesito Segurança, a sério. Ainda acham que é coisa de filme de Hollyood.
Tem-se que reformular tudo e por em prática a “dança das cadeiras”.
Tirar quem nada contribui e vive sob a égide da vaidade seria um bom começo.
Também dizem do General Elito que, na época dos exercícios de intimidação contra o Paraguai referentes à questão de Itaipu, conseguiu o que nenhum outro general conseguira antes: virar contra si Exército, Marinha e Aeronáutica.
Em referência ao parágrafo oitavo:
A associação (se, de fato, for uma associação) não tem que pedir permissão para ninguém, a não ser para seus associados, e pode falar com quem bem entender. Ela é uma pessoa jurídica de interesse privado, disvinculada do serviço público.
Tens 3 escolhas, em verdade
Fio Verde: Tentar transformar a tua agência em algo que cumpra o papel institucional, fazendo com que se assemelhe às congéneres estrangeiras.
Fio Vermelho: Enfraquecê-la ainda mais para que seja um mero depósito sem propósito, fazendo com que os recém ingressos partam em busca de melhores condições.
Fio Preto: Extinguir a agência, tornando o Brasil em única nação entre as 10 maiores economias do mundo a não ter serviço e uma das poucas da América do Sul sem, juntamente com Bolívia e Paraguai. Cabendo frisar que, actualmente, o efectivo argentino da Secretária de Inteligência é mais que o dobro do brasileiro.
1. Estados Unidos da América
Um sistema de mais de 16 agências conhecidas
2. China
Ministry of State Security (MSS)
3. Japan
Public Security Intelligence Agency (PSIA)
Defense Intelligence Headquarters(DIH)
4. Alemanha
Bundesnachrichtendienst (BND) – Federal Intelligence Service
Bundesamt für Verfassungsschutz (BfV) – Federal Office for the Protection of the Constitution
Militärischer Abschirmdienst (MAD) – Military Counterintelligence Service
5. França
Direction Générale de la Sécurité Extérieure (DGSE) – General Directorate of External Security
Direction Centrale du Renseignement Intérieur (DCRI) – Central Directorate of Interior Intelligence
6. Reindo Unido
Defence Intelligence
Secret Intelligence Service (SIS or MI6)
Special Branch
Security Service (colloquially MI5)
Government Communications Headquarters (GCHQ)
7. Itália
Agenzia Informazioni e Sicurezza Interna (AISI) – Agency for Internal Information and Security
Agenzia Informazioni e Sicurezza Esterna (AISE) – Agency for External Information and Security
Brasil
9. Canadá
Canadian Security Intelligence Service / Service Canadien du renseignement de sécurité (CSIS/SCRS)
Communications Security Establishment (CSE)
10. Rússia
Federalnaya Sluzhba Bezopasnosti (FSB) – Federal Security Service
Glavnoye Razvedyvatelnoye Upravlenie Genshtaba (GRU) – Main Intelligence Directorate of General Staff
Sluzhba Vneshney Razvedki (SVR) – Foreign Intelligence Service