Armadilha verde-oliva na frente de Dilma. Ela vai cair?

General Elito e Dilma: quem obedece quem?

Na sexta feira (21/01/2011), a Folha de S.Paulo noticiou que a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) aumentou em 67% os gastos com cartões corporativos, passando de R$ 6,7 milhões em 2009 para R$ 11,2 milhões em 2010. A notícia é importante, mas é nas entrelinhas que ela esconde um escândalo.

O repórter do jornal, Sílvio Navarro, acionou a assessoria de comunicação da Abin, o nosso serviço secreto, para colher o que no jargão jornalístico chamamos de “o outro lado”, o seja, a versão do órgão sobre aquele fato. A Abin informou ao repórter, porém, que não poderia se manifestar, já que quem fala pela agência é o GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

Aí está o enrosco: até hoje, o nosso serviço secreto, um órgão civil, é tutelado por uma repartição de natureza militar, o GSI (antiga Casa Militar). O significado disso é terrível. Passados 26 anos do fim da ditadura, os militares ainda detêm um poder incompatível com o Estado Democrático de Direito. A transição democrática iniciada em 1985 não está concluída integralmente em 2011, entre outros motivos, porque os governantes civis ainda não tiveram coragem de retirar o serviço secreto – repito, um órgão civil – das mãos das Forças Armadas.

Assusta o tamanho do GSI, um órgão da Presidência da República. Ele cuida da segurança do presidente e de seus familiares, dá pitacos na segurança nacional, assessora diretamente o presidente em assuntos militares e controla o serviço secreto. Não é pouca coisa. Ainda mais se lembrarmos que o serviço secreto é uma caixa-preta com atribuições no mínimo confusas (para citar apenas um exemplo, o serviço secreto brasileiro, ao contrário do que acontece em países como Inglaterra, França e Estados Unidos, tem mandado para agir dentro e fora do território nacional; em países desenvolvidos, há um serviço secreto para o campo interno e outro, completamente independente, para o campo externo, o que limita seus poderes). Também não podemos esquecer que, por omissão do Congresso, até hoje a Abin não tem um controle externo efetivo (alguém imagina a CIA agindo no Afeganistão ou o FBI vigiando suspeitos de terrorismo em Nova York sem o conhecimento do Congresso norte-americano?).

A Abin ser subordinada ao GSI representa um poder, além de indevido, desmesurado nas mãos dos militares. Pouco antes de Dilma Rousseff tomar posse na Presidência da República, circularam boatos de que ela iria consertar o erro histórico. Mas até agora nada. Dilma chegou a retirar a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) da esfera do GSI, corrigindo um equívoco hediondo, já que política antidrogas não é assunto militar. A presidente não fez o mesmo com a Abin.

Se Dilma não tem energia para devolver de vez os militares aos quartéis, concluindo assim a transição democrática, que ponha então as barbas de molho. Nosso serviço secreto já deu mostras suficientes de que as operações clandestinas em que se mete costumam abalar o Palácio do Planalto. Ernesto Geisel (sucessão presidencial de 1979), João Baptista Figueiredo (bomba do Riocentro), Fernando Henrique Cardoso (grampo do BNDES) e Luiz Inácio Lula da Silva (escândalo na ECT que desaguou na crise do mensalão) que o digam.

Para terminar, uma comparação. Outro dia, ao dar uma declaração fora de sintonia com o Ministério da Justiça sobre a política de combate às drogas, o então secretário Nacional Antidrogas, Pedro Abramovay, foi sumariamente demitido. Pouco antes, o ministro-chefe do GSI, general José Elito Carvalho, afirmara que os desaparecidos políticos não devem ser um motivo de vergonha para o Brasil, uma posição diametralmente oposta à do Planalto. O general foi poupado, sequer levou uma admoestação pública.

O problema está exclusivamente nas mãos de Dilma. Se deixar a Abin subordinada ao GSI, ela será de alguma maneira tutelada pelos militares. Se quebrar o vínculo, conduzirá o Brasil a um imenso salto institucional. Acompanhemos.

22 Comentários

Arquivado em Inteligência, Militares, Política

22 Respostas para “Armadilha verde-oliva na frente de Dilma. Ela vai cair?

  1. Anônimo

    Engraçado, quando a assim chamada inteligência civil encontra alguma ameaça desde terrorista à cibernetica, quem é chamado para dissuadir ou averiguar? O COT da policial federal? Não a dissuasão fica a cargo do destacamento contra terrorista das forças especiais, ali em. Goiânia e o batalhão de defesa química, biologica, rádio lógica e nuclear, as ameaças ciberneticas ficam com a companhia de defesa cibernetica. As maiores “agências” não oficiais de inteligência do país são as divisões de inteligência das forças armadas, porque? Porque o resto só investida, nao está habilitado a agir, a ABIN e só uma desculpa para ampliar a inteligência militar para as esferas civis, apenas isso, nada mais que isso.

  2. CHARBEL

    EXERCITO BRASILEIRO, PODER NA DEFESA NA LEALDADE NA FRATERNIDADE
    EXÉRCITO BRASILEIRO ,DEFESA DA PÁTRIA LIVRE,MÃOS DADAS NA
    ALIANÇA TRIPLICE FRATERNA

  3. QUINCAS

    ESTE MODE VELHA MANIA DE CRITICA A INSTITUIÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS,.SALVAGUARDora A PÁTRIA LIVRE DE INTRUSOS E INVASORES,SALVAGUARDora AS FRONTEIRAS E COMBATER A MARGINALIDADE..ESSE PAPINHO DE ESQUERDA E DIREITA É PRO LESTE EUROPEU,DITADURA FERRENHA , QUE FERE OS DIREITOS HUMANOS.
    AME O BRASIL SEM BADERNA COM ORDEM E PROGRESSO,A LIBERDADE É TANTA AQUI QUE A DITADURA ECONOMICA E OS ESCANDALOS POLITICOS SÃO ABAFADOS IMAGINE SE FOSSE NO JAPÃO OU COREÍA.

    • Prezado Quincas.
      Acredito que as FFAA têm um papel importante, aliás importantíssimo, cujo aspecto central é a defesa da nação contra o inimigo estrangeiro. É preciso, contudo, que as FFAA se restrinjam a cumprir seu papel. O GSI, que nasceu da Casa Militar, acabou se agigantando e assumindo funções da esfera civil, como na segurança pública. Já a Abin, subordinada ao GSI, é um órgão civil, mas tutelado pelos militares. Não se trata de crítica às FFAA, mas crítica a um modelo que confere às FFAA um papel indevido no Estado.

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  6. Gostaria de fazer duas considerações que se opõem ao texto. Em primeiro lugar, é ingenuidade pensar em Inteligência únicamente sob o prisma “civil”, sabe-se que tal atividade, desde sua origem bíblica, é intrinsicamente ligada ao interesse militar. Hoje, as ameaças e possibilidades, alvos da Inteligência, estão mais voltadas para o campo econômico, mas estratégia nunca foi um bom jogo para civis. Em segundo lugar, não vejo o motivo para o “medão” da Presidente ser “tutelada” por militares. Estão esquecendo que eles, os militares, tem como dogma a disciplina e a hierarquia. Hierarquia é obediencia ao superior. E o superior em questão É a Presidente, sem dúvida alguma. Ou já foi visto/ouvido alguém questionar a autoridade presidencial?

    • Prezado Mujahdin
      Como você bem sabem, as FFAA têm seus centros de inteligência, que são voltados para assuntos de interesse exclusivamente militar. Mas há áreas da inteligência que são de competência civil, como o contraterrorismo, o crime organizado, a espionagem estrangeira etc. Essa foi a confusão do SNI, na ditadura e depois no governo Sarney (1985-90): deixar os militares cuidando de assuntos militares e civis. A lei que criou a Abin, em 1999, tentou colocar a questão no seu devido lugar, determinando que o órgão é uma instituição civil. Agora só falta aparecer um presidente (a) que tenha coragem de fazer valer a lei.

      • Eu entendo e respeito teu ponto de vista sobre “competência civil” das atividades citadas. Até creio que constem na legislação (nunca me dei ao trabalho de a ler com atenção). Mas convenhamos, no combate a terrorismo e espionagem haverá gente mais especializada que os militares? Eu não acredito! Como escrevi antes, esses crimes envolvem interesses estratégicos, e de estratégia os militares entendem, apesar de muitas vezes não saberem demonstrar isso. Grato pela atenção.

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  8. Jornada Dupla

    Os oficiais de inteligência da Abin reagiram.
    http://aofi.org.br/blog/
    Abraço

  9. Nightwatch

    Lucas, parabéns pelo Blog e pela excelente abordagem sobre os serviços secretos brasileiros. Todavia, acho que ficou parcial sua matéria sobre a Arapuca militar para a Dilma.

    Dê uma olhada na PNI e no projeto de reestruturação do Sisbin. As iniciativas concentrariam no GSI – que passaria a ser o gestor do Sisbin – toda a inteligência nacional, isto é, o SNI estaria de volta por uma jogada legal. O Gabinete controlaria a integração das inteligências financeiras (Coaf, Receita, Bacen), de segurança pública (Senasp, DPF, PRF, Força Nacional), militar (CIE, CISA, CIM), inteligência de estado (Abin e MRE). É por isso que JosÉlito está lutando.

    Abraço,

  10. Cris Cunha

    Ai, ai…

    Claro que a subordinação da ABIN aos militares é de uma falta de visão descomunal, mas a idéia de ligar os arapongas diretamente à presidenta é também de uma ingenuidade ímpar. Agências de inteligência – mesmo as melhores – põem os pés pelas mãos de vez em quando. A presidenta precisa, lógico, de um fusível pra queimar no caso de as coisas darem errado. E elas dão errado, de tempos em tempo, mesmo nas melhores agências, porque é da natureza da espionagem fazer o errado para garantir o que é certo – ou ao menos aquilo que é a vontade do governo.

    O problema é: quem vai querer segurar o rojão que é a Abin?

    (apenas corrigindo: o atentado ao Riocentro foi coisa dos malucos do CIE do exército. O mesmo exército hoje encarregado da Abin e da Inteligência de Estado, que os milicos não fazem idéia do que é)

    • Concordo com você: alguém tem de segurar o rojão: Casa Civil, SAE, Ministério da Justiça, Secretaria Geral da PR… Tudo menos os militares, pois trata-se de um órgão civil. Quando ao Riocentro, certamente foi tramado e executado pelo CIE, mas, como comprova documentação disponível, com amplo conhecimento SNI.
      Abs.
      Lucas Figueiredo

  11. Regina

    Excelente o seu texto e suas palavras, até hoje não compreendo porque um órgão de inteligência tenha que ser subordinado justamente aos militares que cometeram tantos erros no passado. Espero realmente que a presidenta tenha a coragem e a inteligência de tirar das mãos dos militares a ABIN, o órgão de inteligência deve assessorar diretamente à Presidência da República, não tem que passar por crivo de nenhum militar, a era militar já passou, acabou, eles tem que ficar nos quartéis, o país mudou e espero que a principal mudança seja essa, tirar das mãos militares a inteligência brasileira.

  12. Leonardo

    Genial. Na minha opinião, seu melhor texto.

  13. Renovo meus cumprimentos a Lucas Figueiredo, por mais essa excelente matéria a respeito da conjuntura nacional, sobre o GSI, a ABIN e a Inteligência de Estado no país.
    Uma das maiores autoridades no assunto, Lucas Figueiredo conhece muito bem essa realidade intestina, cuja obscuridade e clandestinidade ferem de morte o estado democrático de direito e a democracia no Brasil.
    Vamos acompanhar os desdobramentos futuros, auspiciando que a presidenta Dilma, primeira mulher presidente do Brasil, tenha a coragem de fazer o que seus antecessores não tiveram.
    Abraços,
    André Soares
    Diretor-presidente Inteligência Operacional

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